Tais questões, muitas vezes, surgem em paralelo a processos de mudança ocorridos seja em uma organização, em um país ou mesmo na comunidade internacional. Quase sempre os envolvidos tendem a reagir
Nesse contexto, surge a Filosofia da Informação, uma área que se dedica a fazer uma reflexão filosófica fundamental sobre a informação. É um questionar de forma tão basilar e fundamental quanto o é o questionar fundador dos variados ramos da Filosofia: o que é ser? (Ontologia), o que é conhecer? (Epistemologia), o que é a Linguagem? (Filosofia da Linguagem), o que é a mente, a consciência, o bem e o mal, o pensamento etc., explica um dos maiores expoentes da Filosofia da Informação, Fernando Ilharco, no livro Filosofia da Informação. Assim, como um campo da pesquisa filosófica voltado para a investigação crítica da estrutura conceitual e dos princípios básicos da informação e, ainda, para a sua elaboração, a tarefa da Filosofia da Informação deve pressupor, sobretudo, que um problema ou uma explicação pode ser legítimo e genuinamente reduzido a um problema de cunho essencialmente informacional.
Delmo Mattos é doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi professor de Ética Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Gama Filho e é o atual professor responsável pelas disciplinas Ética e Responsabilidade Social, Conduta Ética e o Juiz e a Ética dos cursos de aperfeiçoamento da Fundação Getulio Vargas. delmomattos@ hotmail.comwww.portalcienciaevida.com.br |
“Sociedade da informação ou do conhecimento” é uma expressão comumente utilizada para designar uma forma de organização social, econômica e cultural que tem como base, tanto material quanto simbólica, o fenômeno da informação. Essa sociedade, assim organizada, contém uma forma nova de processos sociais cuja consequência é a emergência de um novo paradigma cultural, ou seja, aquele em que a humanidade abandona suas bases originais na agricultura, posteriormente na manufatura e na industrialização, para ingressar na economia da informação, na qual a manipulação da informação é a atividade principal e fundamental.
O novo contexto de informação surge de forma efêmera e estreitamente vinculada às novas tecnologias |
De acordo com o que menciona Ilharco em Filosofia da Informação, “por intermédio da tecnologia, redes de capital, de trabalho, de informação e de mercados conectaram funções, pessoas e locais valiosos ao redor do mundo”. Ao mesmo tempo, desconectaram as populações e territórios desprovidos de valor e interesse para a dinâmica do capitalismo global. Como consequência disso, assistimos à exclusão social e desintegração econômica de segmentos de sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros. Além do mais, são consideráveis as mudanças introduzi-das em nosso padrão de sociabilidade, contribuindo para que a relação dos indivíduos e da sociedade sofra alterações consideráveis e ocasionando efeitos negativos sobre todos os domínios da atividade humana.
Nesse contexto, pode-se perfeitamente observar a estrutura da condição de reflexão na sociedade, de tal forma que se questiona como podemos vislumbrar uma sociedade que produz a cada dia mais informação, mas não se preocupa em refletir sobre como essa informação está sendo posta, propagada, recebida e manipulada. Essas questões demonstram um propósito muito amplo, pois é a partir dessas reflexões que se pode, futuramente, resolver problemas relacionados não só à questão do gerenciamento da informação, mas também ao seu conteúdo, a sua forma de atingir o receptor, visando prioritariamente a interação da informação na sociedade na qual vivemos.
Ainda que haja definições e direcionamentos diferenciados sobre a sociedade da informação, há nela algo de comum que desemboca em uma combinação das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da comunicação em todas as suas possibilidades. Devemos indagar, com isso, o significado de informação. Certamente, há várias repostas possíveis para essa pergunta, dependendo de quem responde ou de sua área de atuação. Porém, o que deve ser de maior importância é: qual é o significado do conteúdo informacional? Para que serve a informação?
O que distingue a informação de outros fenômenos associados, como os dados, o conhecimento, a ação, as ideias, as noções, o ser, a diferença? |
SEGUNDO HERÁCLITO, a unidade brota da diversidade, da tensão dos opostos. A harmonia do universo resulta da coincidência dos distintos, e o nascimento e conservação dos seres se devem a um conflito de contrários |
O problema da informação: Heráclito e Parmênides Utilizando-se de um perfil diferenciado do que é a informação, Ilharco evidencia o cruzamento desses dois critérios, os quais refletem dois dos temas primários e fundadores da Filosofia, isso é, a Ontologia (o estudo da natureza do ser) e a Epistemologia (o estudo da natureza do conhecer). Por conseguinte, essas duas áreas configuram quatro posições distintas, no âmbito das quais, o mundo, as coisas, os homens, a ação, as distinções, a informação nos surgem a priori
com
determinadas características e contornos. Nas palavras de Ilharco: “no que respeita à epistemologia, encontramos no extremo esquerdo desta matriz metodológica as posições que defendem de uma forma radical a natureza eminentemente subjetiva, localizada e centrada no indivíduo do conhecimento”.A partir dessa posição extrema, não é possível argumentar se existe ou não um mundo aí fora. No extremo oposto desse eixo epistemológico, encontra-se as posições objetivistas puras, as quais assumem existir um mundo externo e objetivo, igual para todos, o qual, por isso, podemos medir, quantificar e analisar independentemente de qualquer experiência subjetiva. Por outro lado, quanto ao eixo ontológico, que varia entre as duas posições opostas e fundadoras da Filosofia Ocidental: da tese de Heráclito (540 a.C.- c.480 a.C.) – para o qual tudo estava sempre em mudança e, por isso, “nunca poderemos mergulhar duas vezes no mesmo rio – à tese de Parmênides (515a.C. - ?) para o qual a mudança era impossível, por isso, tudo sempre permanecendo tal como é. Diante dessa distensão argumentativa e conceitual pode-se compreender o postulado pelo qual Heráclito afirma ser a essência do real o devir, isso é, vir a ser, tornar-se, ou melhor, fluxo permanente, movimento ininterrupto, atuante como uma lei geral do universo, que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes. Heráclito estabelece como princípio do devir o fogo. Tudo procede desse fogo eternamente vivo e tudo deve voltar ao mesmo fogo para surgir de novo em um processo circular de nascimento e destruição. E se a realidade é devir e o princípio do devir é o fogo em que tudo coincide, o todo é único, o Uno. Heráclito concebe esse fogo que tudo unifica com inteligência e divindade como lógos. Parmênides de Eleia erige uma posição oposta à de Heráclito. Segundo este só se pode pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isso é, que o pensamento não pode pensar sobre as coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias. O que é percebido pelas sensações, por outro lado, é enganoso e falso, e pertence ao domínio do “não-ser”. Segundo Ilharco, não se trata simplesmente de discorrer sobre ele, mas de mostrá-lo na e como Linguagem, isto é, como lógos (2004, p. 21). Nessa linguagem originária, a palavra traz consigo o que se pensa. E Heráclito, enquanto pensa o princípio ordenador do mundo (..sµ..), pensa o ser. Ser este que, do ponto de vista ontológico, é o que confere à realidade a sua origem e a sua ordem. Dessa forma, esse não pode, por sua condição ontológica, ser determinado. Por conseguinte, o ser enquanto dito pela linguagem originária é, então, desvelado; mas des-velado aqui não é, e não se deve aproximar de determinado. É esse princípio que confere determinação às coisas e, é ele mesmo (enquanto princípio) que se oculta nessa determinação. Dessa forma, o que é pensado por Heráclito, ou seja, esse movimento de des-velamento (do ser das coisas) e velamento (do ser enquanto princípio de determinação) configura-se como a própria exposição da physis em seu caráter essencial enquanto princípio ordenador. |
Nesse contexto, a pergunta mais radical e elementar, “o que é a informação?”, implica necessariamente uma resposta adequada e urgente, sem a qual a Ciência da Informação não passará nunca de um mero equívoco acadêmico e de um artifício corporativo a serviço de determinado grupo socioprofissional, assim como afirma Floridi.
A Filosofia da Informação é uma área relativamente nova e que está à procura de seu reconhecimento formal como um campo de pesquisa filosófica, mas ela possui um grande potencial que é proporcionar uma reflexão de base, sob uma mesma perspectiva de fundo – a informação –, sobre os pressupostos, os métodos, os problemas e as soluções de uma parte cada vez maior das atividades científicas, culturais, sociais e profissionais nas sociedades desenvolvidas, como lembra Ilharco emFilosofia da Informação: alguns problemas fundadores.
Nesse sentido, Floridi delimita o campo dos estudos filosóficos acerca da informação, iniciando por contextualizá -lo historicamente, caracterizando-o como um campo novo e sugerindo que seja abarcado pela expressão Filosofia da Informação, definida por ele no artigo What is Philosophy of Information? Metaphilosophy nos seguintes termos: “(...) campo filosófico que se dedica a: a) investigação crítica da natureza conceitual e dos princípios básicos da informação, incluindo sua dinâmica, utilização e ciências, e b) elaboração e aplicação de metodologias teóricas e computacionais da informação a problemas filosóficos”.
Várias definições que têm sido implementadas admitem a informação como mecanismo de interação entre os seres humanos |
A informação, como interação social, só existe em movimento. Desse modo, é preciso que haja um criador e um receptor, observando seu impacto social |
Seguindo essa perspectiva, pode-se afirmar que a Filosofia da Informação configura-se como primogênita na reflexão e nos questionamentos dos vários assuntos e fenômenos, como afirma Floridi: a Filosofia da Informação privilegia a informação como o seu tópico central, em detrimento da computação, porque ela analisa a última pressupondo a primeira. Por outro lado, a Filosofia da Informação trata a questão da computação apenas como um dos processos – e talvez o mais importante – em que a informação está envolvida. Dessa forma, essa área deve ser tomada como Filosofia da Informação, e não apenas definida em sentido estrito como Filosofia da Computação, tal como a Epistemologia é a Filosofia do Conhecimento e não apenas a Filosofia da Percepção, menciona Floridi citando Ilharco.
Seria possível uma visibilidade conceitual e ontológica sobre toda a informação produzida e consumida? |
Sobre essa questão, Ilharco exprime-se com mais propriedade dessa forma: “O problema epistemológico – em termos epistemológicos, isto é, no domínio do tipo e das características do conhecimento que poderemos procurar obter e eventualmente dominar sobre o fenômeno informação, o que, por isso, dependerá necessa-riamente do tipo de pressupostos ontológicos em que assentar a investigação, a questão que primeiro se coloca é verdadeiramente surpreendente. Como pensar e refletir sobre a forma como procurar conhecimento – qualquer que seja o modo como entendamos esse tipo de conhecimento – sem antes esclarecer a natureza da própria informação que acedemos, precisamente na tentativa de ganhar conhecimento? Ao colocar a questão epistemológica, a questão da natureza do conhecimento, sem ter endereçado a natureza da informação, terá a Filosofia dado um pulo demasiado longo? Terá a Filosofia esquecido a questão da informação ao ter avançado para a questão do conhecimento? Será possível pensar a Epistemologia sem pensar a informação? Essas questões são tão novas e revolucionárias que poderão mesmo vir a contribuir para a emergência de um novo paradigma intelectual, filosófico e científico”, afirma em Filosofia da Informação: alguns problemas fundadores.
NA PERSPECTIVA de Parmênides, o conhecer acontece na medida em que se alcança o idêntico, o imutável. Os sentidos oferecem a imagem de um mundo em incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada permanece idêntico a si mesmo |
Diante do que foi mencionado, Ilharco tece as seguintes considerações: “As sociedades contemporâneas mais avançadas baseiam as suas atividades, a comunicação entre as pessoas e as instituições em informação gerada e gerida por tecnologias de informação. Esse desenvolvimento tem provocado alterações importantes em termos políticos, sociais, econômicos e ambientais”. Desse modo, pode-se dizer que a Filosofia da Informação é assim um projeto destinado a consolidar uma área de investigação autônoma, por isso versando sobre questões originadas e relacionadas à emergência da denominada sociedade da informação. Em termos mais gerais, a Filosofia da Informação nada mais é do que uma colocação filosófica, sem pressupostos, como rigor e radicalidade da questão da informação. Em outras palavras, trata-se de uma tentativa de pensar filosoficamente a informação. Para tanto, propõe-se como base as seguintes indagações, segundo a óptica de Ilharco: O que é informação? O que é a informação? Quais são as dinâmicas e modos de ser da informação? O que distingue a informação de outros fenômenos a ela associados, como, por exemplo, os dados, o conhecimento, a ação, as ideias, as noções, o ser, a diferença? A sociedade da informação é a sociedade de quê?
O filósofo italiano Luciano Floridi é pioneiro nas investigações acerca da Filosofia da Informação |
Conceituar a Filosofia da Informação por esses aspectos evidencia vantagens e desvantagens, afirma Ilharco, pois a “sua grande vantagem é a de ter identificado clara e simplesmente a questão fundadora da área: a natureza da informação. O seu principal defeito, quanto a nós, é o de tentar detalhar demasiado a ideia central, chave e aglutinadora dessa nova área do conhecimento. Desse modo, a segunda parte da definição é problemática porque a elaboração e a utilização de metodologias teóricas informacionais e computacionais na investigação filosófica, e obviamente científica, é um dos problemas, uma das várias áreas de investigação da própria Filosofia da Informação. Nesse viés, a tecnologia de informação ao serviço da atividade intelectual do homem é uma das questões centrais da Filosofia da Informação, porventura uma das mais relevantes.
É impossível separar o conceito de sociedade do conceito de informação, pois não existe sociedade que se estrutura sem informação |
o homem ou no que se refere ao conhecimento existiram noções ou definições universais e consensualmente aceitas”.
Mediante tais questões, percebe-se o quanto é relevante o empreendimento de uma reflexão estruturada em torno da Filosofia da Informação, propondo-se uma espécie de desafio a toda essa crescente e esmagadora ambição da sociedade da informação. Enquanto ambientes sociais destinam sua atenção para o aspecto positivo dela, requer-se para a qualidade da informação, em seu contexto geral, desde sua criação até sua difusão, um pensar que exija transformação de padrões e escalas morais, fazendo de fato refletir prioritariamente sobre as questões essenciais da informação, discutindo profundamente a sua episteme, tornando possível uma retomada da visibilidade conceitual e ontológica sobre a informação gerada e consumida na sociedade contemporânea.
_____. A sociedade em rede. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005 (A era da informação: Economia, sociedade e cultura, volume I).
CAPURRO, R.; HJØRLAND, B. The concept of information. Annual Review of Information Science & Technology, v. 37, p. 343-411, 2003.
FLORIDI, L.Information: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2010.
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n. 1/2, p. 123-145, 2002. Disponível em: <http://www.wolfson.ox.ac. uk/~floridi>. Acesso em: 14 out. 2010.
ILHARCO, F. Filosofia da Informação: uma introdução à informação como fundação da acção, da comunicação e da decisão. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2003.
_____. Filosofia da Informação: alguns problemas fundadores. In: III SOPCOM,VI LUSOCOM e II IBÉRICO, v. 2, 2004.
MATTELART, A. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola, 2002.
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