Em que mundo você vive?



Fala-se em "realidade" como algo único e compartilhado por todos, mas uma das principais questões da Filosofia é se existe uma realidade objetiva ou se ela é modificada pelos sentidos. A visão de realidade universal pode levar a problemas éticos na relação com o outro
Por: Luís Mauro Martino




Outro dia, em uma padaria perto de casa, havia fila no balcão de frios. Pedi 300 gramas de alguma coisa. O balconista fatiou um pouco mais, 315 gramas. "Pode ser?", perguntou. Concordei e, enquanto ele fazia o embrulho, um senhor de raros cabelos brancos logo atrás na fila disse, em tom de segredo: "Ele sempre faz isso, coloca a mais". "Foram só 15 gramas", respondi. "É, mas 15 aqui, 15 ali, rouba de todo mundo. É o dono que manda, por isso está rico!". "Não deve ser de propósito". Ele respondeu, espantado: "Você não quer ver as coisas como elas são". E emendou: "Em que mundo você vive?".

Ele talvez não saiba, mas sua pergunta vai muito além das cogitações monetárias daquele momento. A pergunta "em que mundo você vive?" é feita quando alguém não tem a mínima noção de um assunto que todos conhecem. O tom geralmente é de reprimenda: não saber o que todo mundo sabe significa, na melhor das hipóteses, distração; na pior, desinteresse. Nos dois casos, o objetivo é fazer a pessoa ter consciência de certa realidade.
Estamos acostumados, no cotidiano, a falar da "realidade" como se estivéssemos de acordo a respeito do que é isso e como se ela fosse uma só. No entanto, há vários elementos que a formam, várias linhas compondo o tecido da realidade - e não deixa de ser uma coincidência produtiva que "tecido" tenha a mesma raiz de "texto". Cada indivíduo, nesse emaranhado, transita entre várias dessas linhas.
A noção é de que existe uma realidade comum a todas as pessoas. Essa realidade pode ser percebida igualmente por todos e independe de cada uma. Se alguém, por acaso, não sabe identificar essa realidade, se não sabe o que está acontecendo nela, é porque vive em outra dimensão, em outro mundo.

Isso leva a outro pressuposto, uma aparente contradição: é possível para alguém viver em seu próprio mundo, distante do que seria o mundo normal. A "realidade" para essa pessoa diverge, em graus variados, das outras - afinal, se é preciso chamar a atenção da pessoa para os fatos desta dimensão da realidade, é porque ela está em outra.
A ficção é pródiga em lidar com a noção de "realidades múltiplas", mas geralmente partindo do pressuposto de que existem várias ordens ou dimensões de uma realidade concreta. A noção, largamente explorada, de "universos paralelos" ou mesmo de viagens, trabalha com a possibilidade, vislumbrada em algumas hipóteses e especulações científicas, de que nosso universo não é o único e a "realidade" é fragmentada. Mas não é preciso esperar pela ficção para se pensar no assunto.
O filósofo norte-americano William James, em um texto chamado As múltiplas realidades, escrito no final do século XIX e publicado em Princípios de Psicologia, chamou a atenção para esses fenômenos: vivemos em múltiplas realidades, mas quase não nos damos conta disso e, na maior parte dos casos, essa pluralidade é comprimida como se fosse uma entidade singular: a realidade.
Com isso, James voltava a uma das principais questões da Filosofia: existe uma realidade objetiva, isto é, independente do sujeito que a observa, ou toda realidade está ligada à pessoa que a observa - no caso, eu? Existe realidade além da primeira pessoa? Posso ter acesso à realidade tal como ela é ou estou condenado a sempre ter a "verdadeira" realidade modificada pelos sentidos?

Existe uma realidade objetiva, isto é, independente do sujeito que a observa, ou toda realida de está ligada à pessoa que observa - no caso, eu?

O pior dos mundos possíveis
A internet oferece excelentes exemplos da criação de realidades. Dentre os milhões de usuários do Twitter, um se destaca pelo mau humor. Trata-se do autointitulado @bomdiaporque. Twits de um intenso pessimismo, levado às raias do absurdo, se esforçam em desmontar o discurso do otimismo e de tudo o que seja positivo. Qualquer esperança é vista com reservas e descartada. O efeito desse exagero costuma ser cômico e é muito provável que a intenção do autor seja, de fato, humorística. Quem pautasse sua visão de mundo no @bomdiaporque veria um lugar frio e sombrio, onde tudo é destinado ao fracasso.

Ao se falar em "realidade", estamos falando de um mundo comum onde todos vivemos ou de meu mundo particular, percebido apenas por mim? É em relação a isso que se apoia uma das principais dicotomias da Filosofia, o objetivismo e o subjetivismo do conhecimento. Esse problema não escapou à maior parte dos filósofos, que ofereceram várias respostas para o problema.
Kant, na Crítica da Razão Pura, tenta resolver o problema abrindo uma perspectiva relacional para o problema: a experiência chega pelos sentidos, mas é elaborada como conhecimento pelas categorias a priori da razão. O elemento subjetivo, aqui, está presente como o organizador dos dados da realidade - se é possível correr o risco de uma imagem, mais ou menos como um copo que, de certo modo, dá a forma ao líquido que está dentro dele. O líquido veio de um ambiente externo ao copo, mas, ao ser colocado lá dentro, toma a forma cilíndrica do recipiente.
Com isso, Kant ofereceu uma solução a respeito da relação entre mente e sentidos na compreensão do mundo. A realidade existe como fato objetivo, mas só pode ser percebida de forma subjetiva pela razão - conhecemos os fenômenos, isto é, a manifestação das coisas; os noumenos, ou seja, as coisas em si, permanecem fechadas aos nossos sentidos.

Em primeira pessoa
Outra resposta veio no início do século XX. É uma das principais contribuições de Edmund Husserl à discussão sobre a realidade, o conceito de Lebenswelt, traduzido como "mundo vivido", embora também como "mundo da vida". Trata-se, em linhas bastante gerais, do mundo cotidiano, do que seria chamado de "vida real" em sua expressão mais simples, como a experiência prática que se tem do cotidiano, da vida com todos os outros. Essa investigação da experiência como ponto de partida seguiu, na trilha de Husserl, filósofos como Heidegger e Alfred Schutz.

Tudo o que não pode ser captado diretamente pelos sentidos deve chegar de outro lugar. São narrativas que, de alguma maneira, compõem boa parte do nosso conhecimento a respeito do mundo. Na vida cotidiana, boa parte dessas narrativas é simplesmente aceita sem muita preocupação. Afinal, sua relevância no cotidiano é pequena - ninguém precisa saber qual é a capital da Polônia durante uma ida à padaria. No entanto, para além de qualquer elemento anedótico, isso pode ser visto como um indício de que nossa concepção da realidade, em sua dimensão mais profunda, talvez seja precária: uma parte do que entendemos como "real" se liga a conhecimentos além de qualquer comprovação para nós.
Segundo Kant, os dados da realidade nos chegam pelos sentidos e são organizados pelas categorias a priori da razão. Seria como a água, que vem de um mundo externo, mas é moldada de acordo com o contorno do copo

Ninguém pode compartilhar a experiência do outro - posso contar com todos os detalhes como foi meu dia, mas a pessoa que me ouve no máximo poderá ter uma ideia aproximada de como tudo aconteceu. Isso, no entanto, não significa que ela ficará completamente ignorante de como foram minhas últimas 24 horas. Se, por um lado, ela nunca terá acesso à minha experiência, isso não significa dizer que ficará completamente alheia ao que eu vivi. Afinal, compartilhando a mesma realidade, é provável que ela já tenha tido experiências parecidas a partir das quais pode ter alguma noção, mais ou menos clara conforme o caso, da situação que vivi. De um lado, só posso ter acesso direto a uma pequena parte da realidade que chega até mim pelos meus sentidos. A princípio, esse mundo da experiência seria o nível mais próximo da realidade que posso conhecer diretamente - você está lendo este texto. Por outro lado, meu mundo não se encerra nessas experiências diretas dos sentidos: também é formado pela memória, registro ativo e dinâmico de experiências passadas, do que foi; pela imaginação, espaço do devaneio, do sonho, do que pode ser; e, finalmente, pelos relatos que nos chegam. Com os outros componentes, formam uma estrutura dinâmica e complexa à qual, por falta de nome melhor, chamamos de "realidade". Ou, em um plural mais acertado, "realidades".

Searle lembra que podemos ver a "realidade" como uma série de impulsos elétricos que caminha de nossos sentidos até o cérebro por uma complexa rede neuronal


O Real é relacional
A realidade, nessa perspectiva, é vista como o resultado de uma interação entre sujeitos e objetos, em um fluxo constante entre os dados imediatos da experiência e sua transformação em conhecimento. Como lembra o filósofo Ernildo Stein em sua Antropologia Filosófica, trata-se de um movimento na transformação do sensível no inteligível, daquilo que está nos sentidos, os dados imediatos que chegam a partir dos cinco sentidos, em algo em nossa mente. Essa relação leva a uma primeira pergunta: quais são, portanto, os dados que chegam a esses sentidos? A resposta a essa pergunta indica quais são os elementos que, de alguma maneira, terão alguma influência na formação da mente humana e, por consequência, àquilo que ela reconhece como realidade.

O mundo vivido, nessa perspectiva, está na minha consciência e é interpretado por ela, constituindo-se meu mundo. O objetivo e o subjetivo estão em relação, sem se reduzirem um ao outro. Minhas disposições subjetivas alteram a percepção da realidade, mas não a eliminam.
Os afetos, por exemplo, podem interferir no julgamento de um fato - basta pensar como tudo fica mais bonito depois de receber uma boa notícia ou quando se está vivendo um momento feliz na vida afetiva, e como mesmo um belo dia de verão pode parecer insuportavelmente opressor para quem acabou de terminar um namoro.
Essa posição presume uma consciência relacional: a consciência humana não está fechada em si mesma, agregando a ela os dados do exterior; da mesma maneira, os dados que chegam pelos sentidos não estão exclusivamente nas coisas, de modo independente do ser que conhece; o conhecimento acontece na relação entre a consciência e o mundo além dela, em um fluxo no qual não há um momento primeiro, mas uma interação.
Podemos contar ao outro o que se passou em certa situação, mas não temos como fazê-lo compartilhar daquela experiência. Só pequena parte da realidade nos chega por acesso direto

Apesar de termos a ideia de que a realidade é uma só e comum a todos, ela é como um tecido formado de muitos pedaços e cada pessoa percorre várias dessas partes para formar seu real
Cérebros em uma cuba 
Uma das mais perturbadoras hipóteses a respeito da realidade é apresentada pelo filósofo norte-americano John Searle em Mente, linguagem e sociedade, e guarda semelhanças com o filme Matrix. Em essência, o que chamamos de "realidade" é uma série de impulsos elétricos que caminha de nossos sentidos até o cérebro por uma complexa rede neuronal e forma o "real" - sensações, imagens, movimentos, sabores, o cheiro de uma planta, o toque de uma mão. Todas as experiências da vida, das mais sublimes às mais perversas, são pequenas descargas elétricas. Se o panorama é desolador, a proposta seguinte não melhora as coisas: se o mundo real é um conjunto de impulsos elétricos decodificados, quem garante que não somos cérebros flutuando em uma cuba de cerâmica, estimulados por eletrodos diretamente? As pessoas, as ruas, as sensações, tudo se formaria à minha passagem, conforme as percebo na forma de sons, imagens, cheiros e tudo o mais.

A realidade e eu passamos a ser uma coisa só e nada mais existe. Fim de jogo. A proposição parece contradizer o bom-senso mais elementar, mas traz em si o problema das relações entre percepção e realidade - próximas, até, da proposta de "realidade" do empirismo inglês do século XVIII.
O filósofo britânico George Berkley, no Tratado sobre a visão, substitui o cartesiano "penso, logo existo" por "ser é ser percebido". O que não pode ser sentido não tem existência para mim. Isso quer dizer que a realidade se dissolve quando viro de costas para ela? Para Berkley, aliás, bispo Berkley, a realidade, mesmo fora do meu campo de percepção, continua sendo percebida por Deus.
O passo decisivo é dado por David Hume, filósofo escocês, ao eliminar Deus da argumentação. Sem essa garantia, a certeza na existência do real é deixada de lado. As sensações, as noções de causa e efeito e os conhecimentos são reduzidos aos sentidos, sem nenhuma possibilidade de provar a existência objetiva do mundo. Realidade é só uma coisa que colocaram na sua cabeça.
Na minha realidade ou na sua?
O pesquisador norte-americano Erwin Goffman propõe a ideia de "enquadramento" (framing) para explicar a existência de "diferentes realidades". Os "quadros" ou "molduras" (frames) são o aparato mental que cada indivíduo usa para dar significado ao mundo real. Iisso não leva ao isolamento de cada um em sua realidade porque os frames têm origem, entre outros fatores, na sociedade onde o indivíduo é formado, e por isso são parcialmente compartilhados com outras pessoas. Se, por exemplo, uso como frame a ideia de que todos estão contra mim, tendo a entender ações de outra pessoa como agressões, ainda que tenham sido inocentes. Uma boa dose dos mal-entendidos cotidianos deve-se ao uso de frames diferentes para interpretar uma mesma situação - interpretar, por exemplo, a simpatia de uma pessoa como interesse afetivo.


Mundos diferentes, éticas diferentes 
Há uma dimensão ética imediata que é problema da realidade. A pergunta "em que mundo você vive?" não está relacionada apenas ao conhecimento. A maneira como vemos o mundo está ligada diretamente ao modo como vamos agir nele e ao nosso comportamento em relação aos outros. A visão que tenho do mundo influencia a maneira como vou situar as outras pessoas nele, como vou interpretar suas ações em relação a mim e aos outros. A equivalência entre "realidade" e "visão da realidade" costuma ter consequências práticas, isto é, interfere diretamente na relação com o outro.

Deixando de lado a dimensão médica ou psicanalítica do problema, que implicaria o recurso a tratamentos, é possível verificar como isso acontece no cotidiano. Minha visão de mundo é uma espécie de linha invisível que, de certo modo, costura as experiências vividas em torno de alguns princípios, valores e ideias que tendo a considerar "corretos" - embora, na maior parte dos casos, as pessoas nem sequer se deem ao trabalho de questionar essa visão, exceto em situações de crise.
Em geral, pauta-se a Ética a partir de noções que se têm da realidade. Uma visão dessa realidade composta por conhecimentos e classificações de um determinado tipo pode levar a valores éticos igualmente específicos. As mudanças nesses valores, no sentido oposto, costumam estar ligadas a mudanças nessa visão de mundo. (Isso é o que torna a Filosofia uma prática: ela pode não mudar diretamente o mundo, mas muda a visão que temos dele e, por tabela, nossa maneira de agir).
Uma visão da realidade que encaixa um grupo como inferior abre brecha para que esse grupo seja maltratado - em último caso, eliminado. É possível delinear uma explicação para isso. As "visões de mundo" geralmente não são pensadas como tais, mas como a "realidade" em si. A essa primeira equivalência segue-se outra: equivaler "realidade" e "normalidade". Desse modo, naturalizam-se valores arbitrários que passam a ser considerados "normais" dentro de uma visão de mundo que não se reconhece como tal.
Uma das dificuldades em questionar o que é a rea- lidade está na aparente obviedade da resposta. Todo mundo sabe o que é o mundo real. Afinal, vive-se nele. Todo mundo pega ônibus, metrô, vai à padaria, ao supermercado, tem alegrias e problemas no trabalho, na família. A vida real se desenrola diante de cada um com tal normalidade que qualquer questionamento pode ser visto como inútil ou absurdo. À distância, é fácil explicar o que é a "realidade" e associá-la com o "normal". A realidade seria o mundo comum, normal, onde todos vivem. Ponto-final.
A percepção da realidade pode ser alterada, por exemplo, pelos afetos. Um mesmo fato pode ser recebido com alegria ou tristeza dependendo do estado de humor da pessoa no momento

A construção social do que mesmo?
Na contramão das chamadas teorias "construcionistas" da realidade, para a qual o "real" é resultado da interação simbólica entre indivíduos, o professor canadense Iian Hhacking propõe uma visão mais complexa dos fenômenos humanos. Em The social construction of what?, publicado pela Uuniversidade de Hharvard em 1999 e ainda sem tradução no Bbrasil, ele critica o que considera um uso exagerado da ideia de "construção". Nna esteira da proposta fenomenológica de pensar o mundo real como um conjunto de relações, inúmeros trabalhos passaram a discutir a "construção social" de alguma coisa - Hhacking enumera 24, incluindo "perigo", "emoções" e até mesmo "quarks". Sse, por um lado, essa abordagem ajuda a perceber que a realidade humana não é fixa e inevitável, por outro, isso deixa de lado o componente "natural" de alguns fatos, ações e práticas humanas.
O problema é que, quando aproximamos a lente da existência individual, essas fronteiras tornam-se menos nítidas. O "todo mundo", fartamente utilizado no parágrafo anterior, dá lugar ao indivíduo e à complexidade das ações individuais. Se é possível jogar com as palavras, sabe-se perfeitamente o que é normal ou anormal até o problema ser pensado em termos particulares.
Por exemplo, é considerado normal que uma pessoa colecione miniaturas de carros esportivos. Mas seria normal, digamos, colecionar tomadas antigas ou caixas de chá? O número de colecionadores de chá é consideravelmente menor que o de miniaturas de carros, mas essa diferença quantitativa implica decidir, qualitativamente, que uma prática é normal e a outra não?
A maneira como alguém age no cotidiano está ligada à percepção da realidade que a pessoa tem. A partir do retrato que fazemos de uma determinada situação, definimos como agir, o que fazer, quais serão nossas ações. Existe uma relação aparentemente direta entre o conhecimento que temos da realidade e nossas ações dentro dessa realidade.
Quando se pensa em termos de interação, a pergunta não é se a realidade existe ou não, se vivemos em um mundo real ou em um reflexo do mundo das ideias, se há um mundo objetivo ou não. A questão, nesse caso, não é "o que é o mundo real?", mas, partindo do princípio de que esse mundo existe nas relações de intersubjetividade, seria o caso de fazer uma modificação para se perguntar "qual é o mundo real que eu conheço?". Esse tipo de questionamento aproxima-se mais da perspectiva deste texto, partindo do pressuposto de que essa realidade, construída nas representações a partir da interação entre os seres humanos, pode também ser alterada, modificada e reconstruída na medida em que essas representações também podem ser modificadas - se é humano, é histórico; se tem uma história, significa que foi feito e, portanto, pode ser desfeito, alterado, transformado.
Segundo Searle provoca a pensar que, se as experiências são impulsos elétricos que vão dos sentidos ao cérebro, poderíamos ser cérebros flutuando em uma cuba estimulados por eletrodos

Se acredito que uma determinada situação é perigosa, por exemplo, há uma tendência a que se tome mais cuidado. Não há, aqui, nenhum determinismo: nada impede que uma pessoa faça exatamente o contrário. É preciso, desde o início, deixar clara uma diferença da qual nos lembra Pierre Bourdieu entre regra e regularidade: se, por um lado, é muito difícil falarmos em "regras" dentro de uma sociedade, mais ainda em "leis" do comportamento humano, por outro lado é possível identificar algumas regularidades e tendências na ação das pessoas, sem que isso, em absoluto, signifique a obediência a leis ou regras.
A História e a Literatura estão forradas de exemplos dessa relação entre conhecimento e Ética, momentos nos quais uma determinada visão de mundo desencadeou uma série de ações contra determinados grupos. Para citar apenas um, em O rabi de Bacherach, por exemplo, o escritor alemão Heirich Heine conta de que maneira uma arraigada visão antissemita do início da Modernidade dá origem a uma série de padecimentos de uma pequena comunidade judaica no interior da Alemanha. O problema cognitivo da explicação da realidade toma a forma de um problema ético na conduta para com o outro. Algo que diz respeito a uma variada gama de relações humanas - do confronto entre povos e nações até uma visita à padaria.

Sobre o autor: Luís Mauro Martino é doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. Pesquisador bolsista na Universidade de East Anglia (2008) e autor de Teoria da Comunicação (editora Vozes) e Comunicação & Identidade (editora Paulus) , entre outros


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