Astronomia: uma viagem filosófica e científica


A filosofia e a astronomia são campos de saber que possuem uma origem comum e buscam responder a questões fundamentais para a humanidade. 
por Maysa Rodrigues*



EmiIio Segre
Edwin Hubble
Formado em Direito, mas com uma inquietação científica, Edwin Power Hubble (1889-1953) foi um astrônomo norte-americano, famoso por sua descoberta de uma camada nebulosa, depois considerada uma galáxia fora da Via Lactea. Em 1990, um telescópio espacial foi colocado em órbita e recebeu o nome de Hubble.

Aristóteles, filósofo da Antiguidade e pupilo de Platão, contemplou o firmamento e, ao lado de outros pensadores gregos, deu passos importantes em direção à Astronomia Moderna. Trezentos anos antes de Cristo, em uma época em que a Filosofia e a Ciência ainda falavam a mesma língua, ele se intrigou profundamente pela existência de corpos brilhantes que se moviam no céu noturno. Séculos mais tarde, seus sucessores, como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e Isaac Newton, olharam para as mesmas estrelas e construíram um novo campo de saber destinado a estudar os fenômenos celestes. No século 20, físicos e astrônomos, dentre eles Albert Einstein e Edwin Hubble , teorizaram sobre a origem de todas as coisas - desde partículas subatômicas até planetas, estrelas, galáxias e seres humanos. Não por acaso, tentaram responder a três das questões filosóficas mais fundamentais: de onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?

Assim, muito além da origem comum, a Filosofia e a Astronomia se movem pela mesma inquietação da busca pela compreensão do mundo à nossa volta. Nesta reportagem, apresentaremos as relações entre esses dois fascinantes campos do saber que encantam a humanidade desde seus primórdios.

Os filósofos cientistas
Estritamente, a nossa história começa na primeira vez em que o homem primitivo olhou para o céu e tentou compreender o que aquilo significava. Mas o nosso ponto de partida será a Antiguidade Clássica, considerada o embrião da civilização ocidental e de toda a sua Filosofia e Ciência.

ZeIchner/Museu CapItolInI, Roma
Pitágoras 
O matemático e filósofo grego Pitágoras de Samos (570-71 a.C - 496-97 a.C) é conhecido pelo Teorema de Pitágoras. Teve influência notória no pensamento ocidental também nos campos da Metafísica e da Astronomia. A base de sua filosofia - e de sua escola filosófica, o pitagorismo - são os números e os cálculos.
No mundo grego, o conhecimento ainda não era segmentado como hoje e algumas das disciplinas atuais - como a Matemática, a Física, a Biologia e a Química - faziam parte de um mesmo campo do saber, denominado filosofia da natureza. "Ao voltarmos para a Grécia Antiga, no século 6 a.C., vemos que existiam os chamados filósofos cientistas, como Tales, Anaximandro e Pitágoras . Nesse momento, eles faziam ao mesmo tempo filosofia e uma ciência nascente", afirma o filósofo da ciência e professor da Universidade de São Paulo (USP) Osvaldo Pessoa Jr. Nesse contexto, o conhecimento astronômico produzido pelos gregos antigos era uma mistura de observação, racionalismo e crença.

Considerado um dos primeiros filósofos da natureza, Pitágoras nasceu por volta de 582 a.C., e ficou especialmente conhecido pelos seus teoremas matemáticos. No campo da Astronomia, propôs a então revolucionária ideia de que a Terra era redonda e suspensa no espaço. Ademais, sugeriu que o nosso planeta não estava parado; permanecia em um movimento circular constante ao redor de uma espécie de chama central, a qual nomeou de Héstia. Para Pitágoras, todos os outros planetas também giravam em torno dessa chama, inclusive o Sol que, em sua visão, não era o responsável por iluminar a Terra, pois também era iluminado por Héstia e apenas refletia a luz recebida por ela.
O modelo cosmológico de Aristóteles
Quase duzentos anos mais tarde, Aristóteles superou a ideia da existência da Héstia e se tornou uma peça fundamental na história da Astronomia. O filósofo nascido em 384 a.C. foi discípulo de Platão e professor do herdeiro macedônio Alexandre, o Grande. Seu campo de estudo foi bastante vasto; dedicou-se, dentre outros temas, à retórica, à poética, à biologia, à lógica e à política. No que diz respeito ao estudo da Astronomia, Aristóteles propôs um modelo cosmológico em que existiriam inúmeras esferas, uma dentro da outra. A esfera central ia desde o centro da Terra até uma região próxima à Lua e compreendia toda a existência possível, fazendo parte dela todas as formas de vida, assim como o próprio tempo - seja ele passado, presente ou futuro. Nesse mundo, as coisas mais pesadas tenderiam ao centro, de modo que o elemento terra se concentraria na parte de baixo, coberto por água - que, por sua vez, seria o elemento que comporia a próxima esfera. Em seguida, haveria outra esfera constituída de ar e a última de fogo. Após essa última região, estaria localizada a esfera celestial, na qual todas as estrelas que enxergamos estariam fixadas imovelmente em um plano responsável por todo o movimento que vemos em nosso planeta. Diferentemente da terra e da água, o fogo e o ar tenderiam para cima, porém poderia haver certa mistura entre os quatro elementos de forma que todos os objetos existentes no planeta seriam constituídos por eles, em diferentes proporções.
A conclusão de Aristóteles sobre a fixação das estrelas em um plano se baseava no fato de que, apesar de se movimentarem pelo céu noturno, elas sempre mantinham a mesma posição em relação umas as outras. Essa constatação seria tomada pelo filósofo como evidência de que havia uma lei que governava os astros a partir de um movimento perfeito. Porém, havia sete pequenos desvios que faziam parte da lei aristotélica: tratava- se de algumas estrelas maiores - Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, além da Lua e do Sol - que pareciam descrever um movimento irregular no entorno da Terra. A partir dessa verificação, esses corpos foram classificados como uma classe à parte dentre as estrelas, recebendo o nome de "planetas". Os cinco planetas em questão foram batizados pelos gregos em homenagem aos deuses do Olímpio. Com o fim do Império Grego, esses nomes foram trocados pelos equivalentes na nomenclatura romana, que permanecem até hoje.

Alguns planetas parecem realizar órbitas retrógradas do ponto de vista da Terra. Porém, do ponto de vista do Sol, suas órbitas são elípticas.

Por muito tempo, a teoria de Aristóteles contentou os antigos. A ideia de que a Terra estava no centro do universo (Modelo Geocêntrico) era bastante razoável para qualquer um que observasse o firmamento: as estrelas cruzam o céu noturno, e o Sol se move na esfera celeste ao longo do dia. Essas duas observações dão a sensação de que a Terra está fixa, sendo o céu que se move sobre a nossa cabeça. Entretanto, a visão de planetas que não descreviam um círculo regular ao redor do nosso desafiou por mil anos a inteligência dos homens que continuaram acreditando no modelo geocêntrico e na lei do movimento perfeito de Aristóteles.

Gravura do século XVI / Domínio público
Ptolomeu 
Claudius (?) Ptolomeu teria nascido em 90 a.C. em uma região do Egito pertencente aos romanos. Pouco se sabe a seu respeito, mas ele foi um dos maiores defensores do sistema geocêntrico de sua época. Sua contribuição para a geometria e para a geografia teria sido muito maior, mas vários de seus estudos desapareceram.
Apesar das dificuldades encontradas em adaptar a teoria às observações, os gregos ainda não estavam prontos para abandoná-la. Por isso, alguns pensadores trabalharam em modelos que propunham complexas órbitas concêntricas para justificar a compatibilidade do movimento retrógrado de alguns planetas com o geocentrismo. Como será apresentado mais adiante, apenas no século 15 Copérnico propôs o modelo heliocêntrico. Nascido entre os dois primeiros séculos depois de Cristo, Ptolomeu estava ciente de alguns problemas com o geocentrismo, mas ainda assim reiterou esse modelo. Calculou com uma exatidão satisfatória a trajetória dos planetas em volta da Terra e, contrariando as esferas perfeitas de Aristóteles, afirmou que descreviam órbitas complexas, com ciclos, epiciclos e equantes. Essa geometria exótica foi usada para justificar alguns momentos em que o sentido do movimento dos planetas parecia se inverter do ponto de vista da Terra, o que era explicado pelo modelo das esferas concêntricas, mas sem muita precisão. Apesar de equivocado, o modelo de Ptolomeu funcionava com perfeição, prevendo com bastante segurança o comportamento dos planetas.
Depois de Ptolomeu, segundo atesta a his tó ria da Astronomia, este campo teria ficado relativamente estagnado por séculos. Muito da tradição grega teria se mantido viva durante o Império Romano, porém o advento do feudalismo, a partir da queda de Roma em 476 d.C., significou fragmentação política e cultural.

Havia sete pequenos desvios que faziam parte da lei aristotélica: tratava-se de algumas estrelas maiores - Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, além da Lua e do Sol

Domínio público
Nicolau Copérnico 
"A Terra se move em torno do Sol". Com esta constatação, o cientista e astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) entrou para a história da ciência moderna. Nascido na Polônia, seu nome pode ser "traduzido" também para Nicolaus Copernicus ou Mikolaj Kopernik.
Os primeiros astrônomos

O próximo grande passo em direção ao conhecimento astronômico foi dado por Nicolau Copérnico . Nascido em 1473, esse pensador examinou minuciosamente as construções de Ptolomeu e, inspirado em ideias do grego Aristarco, verificou que se trocasse a Terra pelo Sol do centro do cosmos, tornaria os cálculos muito mais harmoniosos e poderia simplificar o modelo ptolomaico. A partir dessa mudança, ele percebeu que havia uma relação entre o tamanho da órbita de cada um dos planetas e sua duração em meses - ideia que foi desenvolvida posteriormente por Kepler e por Newton. Além disso, Copérnico estabeleceu que a Lua orbita a Terra e que o nosso planeta gira em torno de si mesmo a cada 24 horas - o que explica o porquê de as estrelas parecerem mudar de lugar durante a noite, causando a ilusão de que nós estamos parados. Todos esses ingredientes do revolucionário modelo heliocêntrico foram apresentados na obra Da Revolução das Órbitas Celestiais, publicada no ano de 1543, no mesmo ano em que Copérnico morreu. Não é de se espantar que o livro tenha causado um verdadeiro furor, já que a cultura da época era amplamente dominada pelos valores católicos, nos quais a centralidade da Terra era um reflexo da criação divina.

Em uma perspectiva ampliada, o heliocentrismo de Copérnico distingue-se dos modelos cosmológicos gregos - que em certa medida se aproximam da acepção cristã - porque começa a romper com a crença em uma verdade divina e inata que deveria orientar o homem na compreensão do universo. O movimento perfeito da órbita dos planetas de Aristóteles e o modelo geocêntrico são expressões dessa tendência, que começa a ser desfeita. "Copérnico tem uma posição de transição entre a Filosofia e a Física. Por um lado, propõe o modelo heliocêntrico, mas, por outro, ainda está muito próximo a Ptolomeu no uso de técnicas e de instrumentos matemáticos", explica Osvaldo Pessoa Jr.
Apesar de postulado por Copérnico, o legado do heliocentrismo foi instituído somente mais tarde, a partir de uma mudança de paradigma que faz parte da origem da Ciência. Tycho Brahe foi um nome importante nesse processo, sendo considerado o maior observador estelar anterior à era do telescópio. Ele registrou a posição do Sol, da Lua e dos planetas conhecidos por quase vinte anos, chegando à conclusão de que suas disposições divergiam daquelas defendidas pela teoria da época, que ainda seguia o modelo de Ptolomeu. Além disso, seu trabalho foi fundamental para que o seu assistente Johannes Kepler elaborasse novas leis empíricas sobre os movimentos dos planetas.
Kepler, por sua vez, estabeleceu que, empiricamente, os dados sobre as órbitas dos planetas não correspondiam ao requinte filosófico dos círculos perfeitos, conforme defendeu Copérnico e seus antecessores. Na verdade, os planetas descreviam uma elipse, ou seja, uma espécie de círculo com dois focos, sendo que o Sol ocupava um desses centros. Outra descoberta fundamental de Kepler foi a de que a velocidade com que os planetas orbitavam o Sol não era constante; conforme se aproximavam da estrela, tornavam-se mais rápidos e conforme se afastavam, ficavam mais lentos. O pensador também estabeleceu a relação matemática, já suposta por Copérnico, entre o tamanho da órbita de um planeta e o tempo para percorrê-la. Dessa maneira, Kepler ganhou seu lugar ao sol no mundo da Astronomia ao descrever com poucos erros os movimentos dos integrantes do sistema solar. Entretanto, seus avanços deixaram uma indagação sem resposta: o que fazia com que os planetas se movimentassem de tal forma?

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Tycho Brahe 
Astrônomo de origem dinamarquesa, Tycho Brahe (1546-1601) é tido como um dos pensadores da ciência moderna. Grande observador, deixou um legado que permitiria a Kepler desenvolver parte de sua teoria sobre a movimentação dos planetas.
Quase cem anos mais tarde, essa questão recebeu uma resposta convincente com as famosas três leis de Isaac Newton. Mas, antes disso, Galileu Galilei (1564) forneceu uma nova e fantástica visão do céu. Até então, tudo o que era possível de se enxergar a olho nu já tinha sido visto. Porém, Galileu ampliou em trinta vezes esse panorama ao aperfeiçoar o telescópio, que ainda era muito rudimentar na época. Com isso, um novo e expandido universo surgiu para ser contemplado. O pensador viu pela primeira vez na história as inúmeras crateras lunares, os satélites em volta de Júpiter, as manchas solares e os anéis em volta de Saturno. Mas seu feito mais importante foi a descoberta de que Vênus apresentava fases, assim como as da Lua. Essa era uma prova irrefutável do heliocentrismo de Copérnico, como se poder observar na figura. Da mesma maneira, a verificação de que havia pequenas luas que orbitavam Júpiter também evidenciava que a Terra não era o centro do universo e que o nosso satélite era diferente dos outros planetas. Todas essas descobertas foram publicadas no livro O Mensageiro das Estrelas e renderam para Galileu uma condenação à prisão domiciliar, além da obrigação de se retratar.
Isaac Newton nasceu em 1642 e tornou-se o principal responsável pelo surgimento da Física como conhecemos. Sua principal contribuição para o entendimento da natureza foi unificar a lógica do movimento dos corpos na Terra com o movimento dos corpos no espaço. Em sua época, a ideia da existência de uma força que fazia com que os corpos fossem atraídos para baixo já era conhecida. O próprio Galileu já havia realizado estudos nesse sentido, mas a grande descoberta de Newton foi perceber que o mecanismo que fazia com que os objetos caíssem na Terra era exatamente o mesmo que era responsável pela órbita dos planetas em torno do Sol e dos satélites em torno dos planetas.
A partir disso, ele formulou uma teoria sobre a gravitação universal; gravidade seria uma força que, mesmo a distância, atrai os objetos mutuamente. Suas três leis da mecânica eram aplicáveis a tudo o que havia na natureza, ou pelo menos foi o que se acreditou por um longo período de tempo. Seus cálculos davam conta de esclarecer a razão da existência das marés, elucidar a velocidade dos planetas e até mesmo explicar por que os astros são redondos. Com sua teoria da gravitação universal, o cientista inglês unificou a física da Terra e dos céus, contribuindo de forma definitiva pelo estabelecimento de um paradigma que, ainda que com ressalvas, perdura até os dias atuais.

Os planetas descreviam uma elipse, ou seja, uma espécie de círculo com dois focos, sendo que o Sol ocupava um desses centros
Ciência x Filosofia
O período entre o intermediário Copérnico e o físico Newton abarca peças fundamentais do quebra-cabeça da Física e da Astronomia modernas. Por um lado, esse novo tipo de pensador se preocupava com os mesmos objetos que os filósofos cientistas da Antiguidade - além de tomar os antecessores gregos como ponto de partida de suas discussões -, porém, seus enfoques e seus modos de trabalho começam a se distanciar bruscamente dos da Filosofia. "A separação entre Filosofia e Ciência foi algo gradual, mas é possível dizer que, apesar de os filósofos cientistas já fazerem uma ciência embrionária, historicamente a ciência madura começa no século 17, a partir de Kepler, Galileu e Newton - na Física - e de Harvey - na Biologia.", afirma Osvaldo Pessoa Jr. Segundo o professor, antes disso a filosofia da natureza se caracterizava por muita especulação teórica e pouca experimentação.




Assim como a Lua, por orbitar o Sol, o planeta Vênus é apenas parcialmente iluminado em alguns pontos de sua trajetória Do ponto de vista da Terra, isso significa percebermos fases, como as lunares.
Um primeiro passo em direção à Ciência teria sido dado na própria Antiguidade, pelos chamados filósofos pré-socráticos e pelos sofistas, que direcionaram a Filosofia para as questões da moral e da ética, deixando as perguntas sobre a natureza em um campo à parte. Porém, teria sido no século 17 que o surgimento de instrumentos mais precisos (tanto em termos de constructos matemáticos, como de objetos concretos) teria engendrado o aparecimento de especialistas para operá-los e de uma vocação mais técnica que caracteriza a Ciência. "A Ciência surgiu a partir de três elementos fundamentais: a especulação teórica e a experimentação, características do método científico, e o reconhecimento social que a legitima". Ademais, a questão que traça uma linha divisória entre a Ciência e a Filosofia é que a primeira se preocupa com problemas pontuais, que são passiveis de investigação experimental, enquanto a Filosofia se debruça sobre questões que não têm necessariamente uma resposta. "Um filósofo pode se perguntar, por exemplo, se os fenômenos do universo têm uma causa ou se são simplesmente aleatórios, ou então por que o tempo anda só para a frente. Sobre essas mesmas questões, um físico se indagaria se elas têm consequências práticas inseridas nos problemas científicos e se é possível realizar um experimento para compreendê- las. Se as respostas forem não, esses temas não interessarão ao cientista", diz o professor.
Apesar dessas diferenças, a busca pela compreensão daquilo que existe - com menor ou maior orientação empírica e com uma vocação mais geral ou mais técnica - aproximam a Filosofia e a Ciência. Além disso, a Física, a Astronomia e a a Cosmologia - mais do que outras ciências - têm uma preocupação mais genérica. "A Física, por exemplo, se pergunta se há uma lei universal e se existem partículas básicas que formam todas as coisas. Nesse sentido, é mais próxima da filosofia, que também faz questões sobre o todo, como o que é o ser, qual é o sentido da vida etc.", completa Pessoa Jr.

O universo em perspectiva filosófica
Se a Astronomia e a Física têm suas raízes nos filósofos da natureza, as teorias atuais sobre o universo em sua totalidade possuem um viés bastante filosófico. A Cosmologia é um ramo da Astronomia que reúne teorias sobre a origem, o funcionamento e o futuro do universo, a partir de uma mistura entre matemática avançada, conhecimentos da astrofísica, informações empíricas e imaginação filosófica.

Desde que foi estabelecida a existência de inúmeras galáxias para além da Via Láctea, os astrônomos começaram a se perguntar de onde teriam surgido todos esses universos repletos de estrelas dos mais diferentes tipos, com uma vastidão de planetas, satélites, poeira e outros corpos celestes ainda mais exóticos, como buracos negros, quasares e cefeidas.
Até a década de 1920, era bastante aceita a teo ria que postulava um universo finito, estático e eterno. Porém, essa ideia começou a cair por terra a partir das contradições que se acumulavam com a teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein (1879) e com as novas observações coletadas especialmente por Edwin Hubble (1889).
Apesar de Einstein ser partidário da ideia de um universo estático, sua teoria da Relatividade Geral sugeria uma geometria para o universo que seria incompatível com essa noção, apontando para um momento inicial da formação do cosmos. O físico repensou a teoria da Gravitação Universal de Newton, descartando o postulado de uma força atrativa e apresentando a ideia de que o que existe é um tecido constituído de espaço e tempo, simultaneamente, que se curva na presença de matéria. Dessa forma, o efeito da gravidade seria, na realidade, a deformação desse tecido. A partir disso, se o universo fosse realmente estático, toda a massa existente seria agrupada em um mesmo ponto, uma vez que a deformação no espaço-tempo levaria a isso - o que não ocorre de fato. Além disso, Einstein também postulou que o universo é homogêneo e isotrópico, de forma que em grandes escalas tudo deveria ser igual - ideia que foi desenvolvida e que atualmente possui indícios empíricos de sua validade.

Cosmologia 
Cosmologia é um campo do conhecimento que mistura Física, Astronomia, Matemática e Filosofia para formular teorias sobre a origem, o futuro e o funcionamento do universo.
Se a Relatividade Geral de Einstein conferiu a base teórica sobre a qual uma teoria do surgimento do universo poderia emergir, Hubble ofereceu um elemento contundente em termos observacionais. O astrônomo trabalhava com a obtenção de imagens de galáxias distantes (na verdade, com espectros, ou seja, imagens em comprimentos de ondas diferentes da luz visível) e, em 1929, graças a um fenômeno ondulatório conhecido como efeito Doppler, descobriu que elas estavam se afastando de nós e também umas das outras. Isso indicava que o universo de fato está em expansão e, a partir disso, implica que um dia foi muito menor. Mais tarde, foi descoberto que essa expansão se relacionava com a expansão do espaço-tempo prevista na teoria de Einstein.
Essa constatação nos leva por volta de 14 bilhões de anos atrás, em um momento em que o cosmos estava em sua contração máxima, retraído em um ponto inicial - que os físicos chamam de singularidade, pois a palavra ponto transmite uma noção de espaço e o próprio espaço não existia nesse momento - a partir do qual tudo o que conhecemos, desde galáxias, estrelas, planetas e pessoas, além do próprio espaço e tempo, originou-se. Esse ovo primordial, extremamente quente e denso, iniciou sua expansão em um evento que ficou conhecido como Big Bang. "No início toda a estrutura do Universo como a conhecemos hoje era completamente distinta. As temperaturas eram elevadíssimas e toda a matéria conhecida por nós era diferente. As interações eram de tal energia que os átomos e núcleos que conhecemos não poderiam existir", explica o astrofísico e professor da Universidade de São Paulo Ronaldo E. de Souza.
Nos momentos que sucederam o Big Bang, houve uma gigantesca expansão em um período muito pequeno de tempo. Essa expansão ocorreu em uma velocidade muito superior a tudo que conhecemos, fazendo com que o universo mantivesse sua homogeneidade até os dias atuais. Após esse período que ficou conhecido como Inflação Cósmica, outros eventos ocorreram. "Logo após o Big Bang, as quatro forças que conhecemos atualmente na natureza - a gravitação, a força eletromagnética, a força nuclear fraca e a força nuclear forte - estavam reunidas em uma única interação unificadora. Ainda não existe um modelo teórico que descreva acuradamente essa situação, mas existem bons motivos para se acreditar que com a expansão inicial as temperaturas caíram dramaticamente e gradualmente; as quatro forças, antes unificadas, começaram a se separar", explica o astrofísico.
Com a separação dessas forças, por volta de cem segundos depois da grande explosão, os núcleos dos átomos puderam ser formados. Constituídos de prótons e nêutrons (e estes, por sua vez, constituídos de quarks), os núcleos se tornaram permanentemente coesos, uma vez unidos pela força nuclear. "Nessa fase ocorreu a nucleossíntese primordial em que o universo se comportou como um gigantesco reator termonuclear, favorecendo a transformação dos prótons e nêutrons originais em átomos leves de deutério, hélio e lítio", completa o professor.
Um bilhão de anos depois da grande explosão ocorre a formação das primeiras estrelas e também surgem novos elementos químicos, como o nitrogênio, o oxigênio e o carbono. Bilhões de anos mais tarde, quando o calor e a pressão em seu núcleo se tornam suficientes, essas novas estrelas iniciam o processo de fusão nuclear, no qual fundem dois átomos de hidrogênio, criando um átomo de hélio e liberando uma incrível quantidade de energia. Além da transformação do hidrogênio, as estrelas também podem sintetizar elementos mais pesados, criando outros novos elementos. Com esse mesmo processo são criados todos os elementos químicos que conhecemos. Finalmente, algum tempo depois, os planetas - assim como a Terra - puderam se formar ao redor das estrelas, a partir de um disco de gás e poeira que as circunda.

Domínio público
Georges Lamaître 
Georges-Henri Lamaître (1894-1966) foi um físico, astrônomo e padre nascido na cidade de Charleroi, na Bélgica. Estudou Matemática e Ciência na Universidade de Louvain e tem como legado a defesa da Teoria do Big Bang.
A Cosmologia propõe uma visão panorâmica do universo em que as estrelas se agrupam, formando as galáxias, e estas também se reúnem em grupos cada vez maiores, dando origem aos filamentos, que são as grandes estruturas do universo. A teoria da evolução cósmica, conforme apresentada, agrega elaborações de uma grande diversidade de cientistas. A ideia de um ovo primordial que teria dado origem a tudo que conhecemos foi apresentada pela primeira vez em 1931 pelo padre e astrônomo Georges Lamaître(1894). Da mesma maneira, as teorias de Einstein e as investigações de Hubble, assim como inúmeras outras contribuições, foram essenciais no desenvolvimento desse paradigma.
Apesar de haver teorias concorrentes, a formulação do Big Bang é a resposta mais aceita entre os físicos para a origem do universo. "A motivação é que o modelo é o mais simples e preditivo que conhecemos. Portanto, parece mais sensato exaurir primeiro essa possibilidade antes de adotar soluções potencialmente mais gerais, mas também muito mais complexas", explica o professor.

De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?
Viemos de um ovo primordial cuja expansão deu origem a tudo o que há. Dos átomos às estrelas, destas aos planetas e destes ao surgimento da vida como conhecemos há um longo caminho que a Física, a Química e a Biologia alegam ter remontado - pelo menos em parte. Ainda assim, inúmeras perguntas se mantêm. Havia algo antes desse ponto de origem? "Segundo a Teoria da Relatividade Geral, o espaço e o tempo surgiram com o Big Bang e, portanto, não faria sentido pensar em um momento anterior a esse evento", responde Ronaldo E. de Souza. Mesmo com o esclarecimento de Einstein, é difícil para a mente humana conceber a inexistência do espaço e do tempo, o que abre caminho para inúmeras outras dúvidas.

Somos os produtos de uma expansão cósmica. Os átomos que formam nosso corpo foram criados há muitos bilhões de anos, sintetizados nos núcleos de estrelas monumentais e recombinados extraordinariamente de maneira a constituírem a vida. Somos o resultado da maior de todas as jornadas e milagrosamente temos a capacidade de fazer perguntas sobre ela. Ainda assim, a imensidão do universo dilui nossas poucas respostas entre tantas indagações.
E para onde vamos? Até agora os cientistas têm duas apostas principais. Ou o universo continuará em eterna expansão, até que o calor de todas as estrelas se acabe e o cosmos termine no mais absoluto frio e na escuridão ou, em um determinado momento, a expansão se acabará. Nessa possibilidade, o universo começaria a se contrair, ficando cada vez mais quente e denso outra vez. "Mesmo havendo incertezas, os resultados mais recentes do satélite WMAP indicam que o modelo de universo plano seria o correto. Uma consequência natural disso é que a expansão do universo deve prosseguir indefinidamente", esclarece o astrofísico.
De qualquer forma, rumo à expansão eterna ou fadado à contração, o universo continuará sendo objeto dos maiores questionamentos da humanidade. Se a filosofia antiga e a ciência contemporânea operam dentro de lógicas diferentes, ironicamente o que nos separa dos gregos não é a quantidade de perguntas respondidas, mas sim a multiplicação vertiginosa das indagações que se acumulam a partir de cada novo conhecimento alcançado.

Nasa/Wmap science team
Ilustração dos eventos que ocorreram desde o Big Bang

Texto Retirado da Revista Filosofia: Conhecimento Prático - Editora Escala


Um comentário:

  1. Quanto da visão astronômica a poeira existente no espaço, prejudica a visibilidade?

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