Antes de avançarmos neste novo semestre é de grande importância olharmos para trás e repensarmos nossa caminhada no decorrer desse ano letivo. Corrigir os erros e mudar de postura se torna essencial quando percebemos que não estamos no caminho certo. Nas imagens abaixo, divididas por turmas, estão uma análise através de gráficos das notas de filosofia, do 1º semestre. Podemos perceber que, de uma forma geral, o rendimento/aproveitamento das turmas caiu consideravelmente. O que devemos fazer? Procurar melhorar sempre! Nunca se esqueçam do que sempre digo em sala de aulas: vivemos na era do conhecimento, e o conhecimento é algo que, quando adquirido, ninguém lhe tira. Invista nele!
1º Ano do Ens. Médio
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3º Ano do Ens. Médio
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Filosofia para o dia a dia: Nietzsche e o Sofrimento
É nos infortúnios que moldamos o ser. É nas pedras do caminho que forjamos o caráter e a condição de superação. Suba a montanha com Nietzsche.
Suba a montanha. O percurso é acidentado. Há muitos empecilhos ao longo do caminho. Pedras, encostas íngremes, locais onde é preciso fazer um grande esforço físico para lograr poucos metros. Em certos momentos, o desgaste é tão grande que dá vontade de desistir. Ainda assim é preferível persistir. Quando se chega ao topo pode-se ver os arredores, lá de cima, deslumbrando-se o alpinista com tanta beleza. É uma paisagem única. Em nenhum outro lugar do mundo você conseguirá admirar tanta coisa ao mesmo tempo e, ainda, com o ar puro da montanha a encher-lhe os pulmões.
Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, acreditava que ao escalarmos montanhas tínhamos uma clara compreensão do que é a vida. Os percalços da subida representariam justamente as dificuldades, dores, problemas, erros e infortúnios que enfrentamos. A trajetória de subida, marcada por momentos de satisfação entremeados por estas "pedras" ao longo do caminho, no entanto, compensaria todo o esforço. Metaforicamente falava da existência humana como sendo uma peregrinação, uma caminhada, uma jornada.
As "pedras" ou infortúnios ganham força em suas obras por conta da própria vida acidentada e sofrida do filósofo. Nietzsche perdeu o pai, um pastor presbiteriano, quando ainda tinha 4 anos de idade. Aos 19 contraiu sífilis, doença que lhe causaria inconvenientes até o fim dos seus dias como, por exemplo, a necessidade de sempre buscar locais onde o clima lhe fosse mais conveniente, fazendo com que se mudasse regularmente de cidade. Aos 24 anos tornou-se professor universitário, mas sua carreira durou apenas 11 anos, tendo se aposentado desta função precocemente aos 35. Não conseguiu ser entendido pelos colegas e, ao não estabelecer bons vínculos, como autêntico "estranho no ninho", afastou-se do mundo acadêmico.
Seus relacionamentos amorosos não se consolidaram e, por conta disso, Nietzsche viveu só, angustiado também por conta de seus insucessos emocionais. Suas obras - como "Assim Falava Zaratustra", "Crepúsculo dos Ídolos", "Ecce Homo", "Além do Bem e do Mal", "A Gaia Ciência" - hoje consideradas marcos da filosofia contemporânea, não foram reconhecidas durante sua existência. Não lhe renderam, apesar de publicadas, nem mesmo dinheiro suficiente para que tivesse uma vida confortável, legando-lhe uma vida modesta, sem grandes luxos. Por volta de seus 45 anos, teve um colapso nervoso e pensou ser Jesus, Napoleão, Buda e Alexandre Magno. Foi então internado em um sanatório, onde permaneceu durante alguns anos. Morreu quando ainda tinha 56 anos.
Infortúnios, portanto, não lhe faltaram. Na vida profissional, emocional, financeira, familiar, na saúde... Nietzsche colecionou problemas, dores e dificuldades.
Por conta disso, um de seus principais temas acabou sendo o sofrimento. Não como um lamento, como poderia se esperar. Nietzsche não era o tipo de sujeito que se atiraria do prédio como ocorreu com investidores e empresários durante a Crise de 1929. Pelo contrário, pensava que qualquer tipo de problema poderia ajudar as pessoas, ao invés de simplesmente significar a derrocada final, a derrota definitiva.
Realista como era, dizia que todas as pessoas, sem exceção, passam por dificuldades de diferentes graus ao longo de sua existência. Mesmo aquelas que nos parecem tão afeitas ao sucesso, em diferentes momentos de suas vidas passaram, passam ou passarão por infortúnios. Não é possível dividir os homens entre aqueles que são vitoriosos e os que não são. Todos em algum momento têm seus êxitos e seus amargores. A forma como encaramos estes dissabores é que precisa ser revista segundo ele. Temos que pensar a derrota, a dor ou o problema como parte do aprendizado que a vida nos proporciona. Aprender com os erros e, das lições provenientes, em momentos posteriores, ser capaz de articular melhores respostas as situações que a vida nos apresenta.
Saber, ainda, que mesmo com todos os ensinamentos acumulados, novas decepções virão. Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, recomeçando com energia a cada novo dia é a receita. E não adianta se escorar em falsas muletas, de acordo com Nietzsche. Para ele, por exemplo, afogar as mágoas em bebidas alcoólicas (e drogas em geral, se me permitem complementar) é um dos piores expedientes aos quais podem recorrer os homens e mulheres. Não resolve absolutamente nada uma bebedeira no final do dia para esquecer os problemas, sejam as dívidas, o desemprego, a doença, um amor não correspondido, uma perda familiar... No outro dia as dificuldades continuam por lá, e o pior de tudo, você ainda acorda com a ressaca, dores de cabeça, enjoos, um gosto horrível na boca...
Apoiar-se na religião também não resolve segundo Nietzsche. A conformidade expressa na Bíblia e no apoio dado por padres e pastores é paliativo. Remédio que nada cura e que, ainda, nos leva a pensar os problemas como parte da sina a qual temos que nos ajustar. Todos teríamos nossas cruzes a carregar e, sendo isso irremediável, que nos conformemos com elas. Aceitar, aceitar e aceitar seriam as palavras de ordem da fé cristã. Mas simplesmente agir de forma submissa e sujeitar-se à dor, ao sofrimento e aos problemas com a promessa da recompensa e superação na eternidade não agradava Nietzsche. Para ele, a religião acomodava a situação e fazia com que as pessoas não se sentissem instadas a lutar contra as condições que lhes impingiam os infortúnios. Superar a pobreza, encontrar um remédio para a enfermidade, buscar outras ocupações, achar um novo amor é que seriam, de seu ponto de vista, as ações a serem empreendidas e não a mera aceitação, passiva, dos problemas.
Nietzsche era tão consciente em suas reflexões quanto ao sofrimento como parte irremediável da existência humana que chegava mesmo a desejar que as pessoas passassem por infortúnios para que, depois, vivessem melhor. Se pudermos pensar, por exemplo, no que acontece hoje, quando as pessoas vivem sob a ditadura da felicidade, certamente compreenderemos melhor o pensamento deste atormentado filósofo alemão.
Ninguém quer sofrer, ainda que isso nos seja mais do que certo. Quando vivenciamos problemas, queremos escondê-los a qualquer custo de todas as outras pessoas. Pensamos que as dificuldades pelas quais passamos podem ser percebidas socialmente como símbolos de um fracasso ao qual podemos ser, inclusive, associados. Os pais, em relação aos filhos, por exemplo, é claro que não querem que estes passem por inconvenientes como bebedeiras, drogas, violência, amores não correspondidos, fracassos na luta por vagas nas melhores universidades, insucessos profissionais... Se esquecem, no entanto, que não há entre eles uma só pessoa que não tenha sofrido alguma dessas amarguras ou, mesmo, várias delas, e que, ainda assim, os dias e anos seguintes lhes permitiram a redenção.
Quantas não são as vezes que os pais dizem a seus filhos, quando ainda em seus primeiros anos de vida, que não devem colocar a mão numa tomada para que não tomem um choque elétrico? E quantos não são os casos de filhos que ainda assim, curiosos, vão até lá num descuido dos pais e acabam levando uma pequena descarga nestas tomadas? Depois disso, escolados pelo susto, dor e sofrimento, veja se eles voltam a tentar tal manobra...
Nem sempre é assim, é claro, problemas podem ser corrosivos e, por conta deles, as pessoas acabarem perdendo o rumo. O fim do mundo, no entanto, conforme Nietzsche, só acontece para quem desiste de tentar, de ir à luta, de acordar pela manhã no dia seguinte com fôlego e disposição para uma reentrada fulgurante no cenário da vida. Vejam, por exemplo, as bailarinas... Para que possam, literalmente, flutuar no palco diante de seus espectadores, passam por horas e horas de treinamentos e ensaios, a adequar-se a diferentes coreografias e estilos musicais. Nessa luta: bolhas nos pés, dores nas costas, contusões esporádicas, horas despedidas e dedicadas a esta nobre arte (e a contrapartida, ou seja, a ausência em outras instâncias da vida, como lazer, família, vida social...). Apesar disso, e ao final de tanto esforço, há as luzes, os palcos, as apresentações, a dança, a arte, a beleza, os aplausos...
E quando as bailarinas caem durante as apresentações, o que fazer? Simplesmente se levantar, continuar a dançar como se nada tivesse acontecido, manter a coreografia e o ritmo, prosseguir nos passos sequenciados, manter a compostura e o belo sorriso nos lábios. Afinal de contas, o show não pode parar!
Autor: João Luís de Almeida Machado
Filosofia para o dia a dia: Nietzsche e o Sofrimento
SCHOPENHAUER (1788-1860) – O FILÓSOFO DO HUMANISMO. Introduziu o budismo
e o pensamento indiano na metafísica alemã. Para ele, o mundo não passava de
uma representação, uma síntese entre o objeto e a consciência humana. O que
havia de real era a vontade, irracional e insaciável, por isso causa de todo
sofrimento. Apesar do pensamento, apontar saídas para as dores do mundo: a contemplação
da arte, a compaixão e, sobretudo, a anulação da vontade, uma fuga para o nada.
Livros:
A arte de ter Razão.
O mundo como Vontade e Representação.
Metafísica do Belo.
Fragmentos para a História da Filosofia.
Todos nós teorizamos sobre a felicidade que o amor
nos trará. A maioria faz da busca pelo amor a meta da sua vida. Mas o amor é um
tema sobre o qual a filosofia não costuma falar. Como ele é uma das
experiências da vida mais transformadoras e importantes, seria plausível
imaginar que a filosofia fosse levar o amor muito a sério. Mas, de maneira
geral, isso não acontece. Basicamente, o tema é deixado para os poetas,
histérico e apresentadores de programas vespertinos de TV. Mas houve um
filósofo que leva o amor muito a sério, e que o via como uma de nossas
preocupações centrais. Seu nome era Arthur Schopenhauer.
Schopenhauer foi um filósofo que parecia entender a intensidade do que
sentimos quando nos apaixonamos. Ele achava que estávamos certos de viver em
função do amor, e que não havia outra coisa mais importante. Nosso erro segundo
ele, era achar que a felicidade tinha algo a ver com isso.
De início, é difícil de acreditar que Schopenhauer pudesse entender de
paixão ou que pudesse ajudar alguém que estivesse apaixonado.. Ele nunca se
casou, vivia sozinho e, às vezes, mostrava-se bastante avesso às mulheres. Ele
nasceu em Danzig, em 1778, mas passou a metade da vida em Frankfurt. Desde cedo
buscava a felicidade no amor. Era inteligente, seguro, bonito e, depois que
perdeu o pai, aos 17 anos, muito rico também. Mas não fazia sucesso com as
mulheres, escrito de próprio punho.
Em 1821, aos 33 anos, ele conheceu uma mulher que
gostou dele. Era uma cantora de 19 anos, Caroline Medon, mas ele nunca quis
formalizar a relação. Eles chegaram a ter um filho. Ela queria se casar, mas
ele não quis. Ele dizia que quando duas pessoas se casam, acabam fazendo de
tudo para se detestar. Depois de dez anos de idas e vindas, o relacionamento
acabou. Mais velho, ele teve um relacionamento com a escultora e admiradora
de sua filosofia Elizabeth Ney, que foi a Frankfurt fazer um busto seu, mas
esse caso não pode ser considerado o ápice de uma vida romântica com a qual o
jovem Schopenhauer sonhara.
Mas como um filósofo com uma vida romântica desastrosa poderia ter algo
a nos dizer sobre o amor?
Para começar, ele dizia que o amor não é um assunto banal que não
devemos vê-lo como distração de assuntos mais sérios ou adultos. Não é por
acaso que se trata de um sentimento tão avassalador, capaz de tomar conta de
nossa vida e de todos os momentos de nosso dia.
Ele diz que não devemos nos culpar tanto pelo estado de desespero e
obsessão em que entramos se o amor fracassa. Ficar surpreso com a dor da
rejeição é ignorar o quanto de entrega a aceitação exigiria.
Criamos histórias de amor para nós mesmo, imaginamos que nos
apaixonaremos por um parceiro que nos fará felizes. Mas Schopenhauer via isso
de maneira diferente. Para ele, nós nos submetemos a telefonemas ansiosos e
jantares caríssimos, a luz de velas por uma única razão: o impulso biológico
para perpetuar a espécie. Ele o chamava de “impulso de vida”. “Nada na vida é
mais importante que o amor, porque o que está em jogo é a sobrevivência da
espécie”. O amor é uma tática da natureza para nos levar a ter filhos. Por mais
que gostemos de nos imaginar como seres românticos somos todos, basicamente,
escravos do impulso de vida.
O fundamental na tese de Schopenhauer é que impulso de vida pode atuar
de forma bastante inconsciente. Conscientemente, as pessoas podem querer ir a
uma festa, mas inconscientemente o que as movem é a necessidade de se
reproduzirem. Ele precisa ser inconsciente para ser eficaz, porque ninguém
assumiria conscientemente o fardo da perpetuação. “O instante em que dois
jovens se sentem atraídos um pelo outro deve ser considerado o nascimento de um
novo indivíduo”. Sua tese explica a intensidade dessa atração.
Mas por que nos sentimos atraídos por algumas
pessoas e não por outras?
Um dos maiores mistérios do amor é “por que ele?”
ou “por que ela?
Inúmeras pessoas não provocam qualquer reação em
nós, mesmo sendo, em tese, nossos pares ideais e acabamos nos apaixonando por
outras com quem a convivência pode ser difícil. Schopenhauer tinha uma
resposta: apaixonamos por uma pessoa quando sentimos, inconscientemente que ela
pode nos ajudar a produzir herdeiros saudáveis. O amor é apenas nosso impulso
de vida, descobrindo alguém que ele considere o pai ou a mãe ideal de nossos
filhos.
Isso levou Schopenhauer a reflexões interessantes sobre a regra da
atração. Atraímo-nos por pessoas capazes de contrabalançar nossas imperfeições,
garantindo, assim, filhos fisicamente e mentalmente equilibrados. Pessoas muito
altas são atraídas por parceiros mais baixos para que os filhos não sejam
gigantes. Ele acreditava que a busca do equilíbrio se estendia até o tom da
pele. Algumas das ideias de Schopenhauer podem parecer descabidas hoje. Há
muitos tipos de vínculos emocionais e sexuais ao qual sua tese não se aplica.
Entretanto, uma geração antes de Darwin e cerca de 60 anos antes de
Freud, ele foi o primeiro a apontar razões inconscientes e biológicas para o
amor.
Buscar a felicidade e ter filhos são projetos
divergentes que o amor, astutamente nos faz enxergar como um só, pelo tempo
necessário para produzir e criar os filhos. Só muito depois, com herdeiros
saudáveis e equilibrados, correndo pelo jardim, nos damos conta de que fomos
enganados, condenando-nos a separação ou começamos a passar os jantares num
silêncio hostil.
Schopenhauer coloca-nos diante de uma escolha tácita. É como se, na hora
de selar o casamento, um dos dois, o indivíduo ou o interesse da espécie,
tivesse de sair perdendo. Para ele, não há dúvida que o indivíduo sofre mais.
Infeliz no amor, e tendo sua obra quase
completamente ignorada, Schopenhauer vivia recluso num modesto conjugado em uma
rua de Frankfurt chamada Schöne Aussicht, um nome irônico diante do pessimismo
de sua visão, já que significa “belas perspectivas” em alemão.
No meio de tanta infelicidade uma de suas alegrias era a música. Antes
do almoço ele tocava uma hora de Rossini ou outro compositor. Ele desenvolveu
um pessimismo quase anedótico, aconselhando seus leitores a engolirem um sapo
todas as manhãs para garantir que não se deparariam com nada mais repulsivo ao
longo do dia. “A existência humana só pode ser algum erro. Pode-se dizer que,
se hoje ela está ruim, as coisas só tendem a piorar, até que o pior de tudo
aconteça.” Escreveu Schopenhauer. “É mais seguro confiar no medo do que na
esperança.” Esta é uma frase com o pessimismo típico de Schopenhauer.
s companhias mais íntimas do filósofo passaram a ser vários poodles. Ele
dedicava aos cães todo o seu afeto. Chegou a batizar um de Atma, a Alma
primordial para os brâmanes, e passou a se interessar pela causa do bem-estar
animal.
No fim da vida, suas idéias enfim, começaram a
conquistar adeptos. Seu último livro, uma coletânea melancólica de ensaios e
aforismos filosóficos, tornou-se um sucesso de vendas. Alemães amantes da
filosofia começaram a comprar poodles em sua homenagem.
No auge da fama, ele a definiu dizendo: “ O Nilo,
enfim, chegou ao Cairo.”Mas ele não teve tempo de desfrutar do sucesso e
desenvolver pensamentos alegres. Em 1860, Schopenhauer voltou para casa,
queixou-se de falta de ar e morreu.
“Se um deus criou este mundo não gostaria de ser
esse deus, pois sua miséria e seu infortúnio me partiram o coração” disse
Schopenhauer.
Talvez pareça estranho achar que Schopenhauer possa nos ajudar nas
questões do amor, tendo sido um sujeito tão amargurado. Mas acho que ele nos
deixou ideias confortadoras a respeito. Para começar, ele disse que se
apaixonar é inevitável, que a biologia é mais forte que a razão. Assim, não
somos infelizes por mero acidente, essencialmente somos iguais a todos ou
outros animais. Sentimo-nos impelidos a encontrar um parceiro, a gerar filhos e
criá-los e somente uma força poderosa como o amor seria capaz de nos motivar
para isso.
Schopenhauer nutria um interesse especial por
animais feios como toupeiras, porcos-espinhos e mangustos-anões. O que
despertava seu interesse era a vida dura que eles levavam enfrentando invernos
rigorosos, vivendo debaixo da terra e tendo filhos que mais se parecem com
vermes gelatinosos e o fato de nada disso impedir que se reproduzissem. Ele
achava que esses animais podiam nos ensinar sobre nosso comportamento, sobre
como nos dedicamos à reprodução sem pensar necessariamente em felicidade. Se a
reprodução nos entristece, se achamos que o casamento não vai bem, podemos
aprender como esses nossos amigos vendo com eles não fazem isso por felicidade,
mas porque precisam, por causa do impulso da vida.
Schopenhauer tem mais uma ideia a respeito do amor
que pode nos ajudar quando somos rejeitados, muitas vezes, não entendemos
porque o parceiro quis romper e nos sentimos rejeitados. Ele diz que quem termina
o namoro não está rejeitando o parceiro. Não sou eu que não mereço o amor, mas
é o impulso de vida de minha parceira que considerou que ela poderá ter filhos
mais saudáveis com outro! Encontrei outra mulher que me considera o parceiro
ideal, mesmo que apenas por uma questão de equilíbrio entre o meu nariz e o
dela.
Talvez você estivesse feliz com a pessoa que o rejeitou, mas a natureza
não estava. Por isso, vai ter de aprender a se desapegar. Numa visão
tradicional, dizemos que um casal será feliz para sempre. Num olhar mais
desiludido e moderno, estão condenados a discussões e ao divórcio precoce.
Schopenhauer convida-nos a assumir um ponto de vista diferente, e
considerar que a felicidade não está em questão. Ele não queria nos deixar
deprimido, mas nos libertar das expectativas que pode acabar gerando
frustrações. Às vezes, os pensadores mais pessimistas, paradoxalmente, podem
ser os que nos oferecem mais consolo!
Filosofia para o dia a dia: Schopenhauer e o Amor
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Filosofia para o dia a dia: Montaigne e a Autoestima
Michel de Montaigne em seus “Ensaios” remete ao autoconhecimento e a autoestima provocando-nos a repensar o ser e a abandonar o que não somos.
"Este grande preceito é frequentemente citado em Platão: Faz o teu feito e conhece-te a ti mesmo. Cada um desses dois membros engloba em geral todo o nosso dever, e igualmente engloba o seu companheiro. Quem tivesse de fazer o seu feito veria que a sua primeira lição é conhecer o que é e o que lhe é próprio. E quem se conhece já não toma como seu o feito alheio: ama-se e cultiva-se acima de qualquer outra coisa; rejeita as ocupações supérfluas e os pensamentos e projetos inúteis." (Michel de Montaigne)
Os homens costumam, desde há muito tempo, olhar por cima de seus muros, na direção das terras de seus vizinhos, para mirar o que não tem e descontentar-se com aquilo que possuem. E isso não se aplica, como a princípio pode parecer, somente a bens materiais. Em especial, a insatisfação dos seres humanos se dá em relação a si próprios, o que são, como pensam, a qualidade do que realizam, como se percebem diante dos demais membros da comunidade em que vivem...
Michel de Montaigne, filósofo francês do século XVI, de origem nobre, cuja obra mais celebrada tem como título "Ensaios", destaca em sua produção a necessidade do autoconhecimento e da valorização daquilo que somos, apesar dos modelos e estereótipos sociais e culturais que nos são constantemente impostos. Ele mesmo, pessoa de posses, que morava em imponente castelo, duas vezes prefeito da importante cidade de Bordeaux, poderia muito bem pouco se importar com isso. Homem rico, celebrado, amigo de poderosos (entre os quais o rei de seu país), culto e bem-sucedido, talvez fosse alvo da inveja alheia quando vivo e não daquelas pessoas que sobem no muro e ficam a mirar as conquistas alheias sem se contentar com o que conseguiram.
Aos 38 anos, Montaigne se retirou da vida pública e resolveu se dedicar aos estudos, à filosofia, às letras. Buscou então inspiração e tema a respeito do qual pudesse falar com propriedade. Chegou à conclusão de que não dominava tão bem nenhum assunto quanto o conhecimento que tinha sobre si próprio. No entanto, diferentemente daquilo que a maioria das pessoas fazem numa circunstância como essa, não estava disposto e propenso a falar apenas de suas conquistas, vitórias e realizações. Queria ir mais a fundo, entender o ser humano em toda a sua complexidade, indo de alto a baixo, observando tanto aquilo que é corriqueiro, cotidiano e enfadonho em nosso dia a dia quanto nossa relação com o corpo, as outras pessoas, o trabalho, o pensar.
Nessa elaboração procurou ser o mais honesto e claro possível. Seu trabalho enfocou, então, o conhecimento que cada ser humano deve ter de si mesmo. A partir desse tão essencial saber, pensava Montaigne, o homem poderia (e deveria) se aceitar melhor, aumentando sua autoestima, evitando a tristeza que reside na eterna comparação com o outro, seu próximo, a quem normalmente observa em seus triunfos, os quais pensa não ser capaz de atingir, em muitos casos.
Detectou então, o filósofo francês, que os homens tem baixa autoestima por conta de inadequações que neles mesmos percebem. Estas inadequações seriam de caráter físico, intelectual e, ainda, aquelas causadas pelo julgamento alheio, a opinião dos outros a seu respeito. Procuramos defeitos em nós mesmos. Somos altos demais, baixos em demasia, obesos, magros em excesso, temos pés chatos, orelhas de abano, usamos óculos, nossos cabelos são ralos ou escassos, longos ou escuros...
No que tange ao aspecto físico, Montaigne tinha razão tanto em seu tempo de vida quanto hoje em dia! Somente para constar, vale lembrar que a quantidade de pessoas que hoje faz cirurgias plásticas no Brasil fez com que o país se tornasse o segundo no ranking mundial desse tipo de intervenção médica. E, na esmagadora maioria dos casos estas cirurgias são feitas por questões estéticas, ou seja, porque as pessoas estão insatisfeitas com sua aparência. Até mesmo notícias sobre jovens de 16, 17 ou 18 anos que estão a ir para a faca, realizando plásticas, cada vez em maior número, tem sido destacadas pela mídia!
Haja insatisfação e descontentamento. A autoestima das pessoas precisa ser melhorada, já dizia Montaigne.
Se com nossos corpos é tão evidente esse descontentamento, o que dizer então se olhamos para os lados e observamos os modelos sociais de beleza, inteligência, sucesso? E se os comentários e observações feitas por outras pessoas demonstram que estamos a léguas de distância de tais padrões? A situação piora muito, não é mesmo?
A sociedade de hoje, diferentemente da França do Século XVI, é marcada pelos dados comparativos, usados em larga escala em praticamente todos os momentos de nossas vidas. Somos equiparados aos demais seres humanos em nossos trabalhos, na escola, na vida social, quanto aos nossos rendimentos, bens e variados símbolos de prosperidade. O ranking tornou-se mais que uma moda passageira, veio para ficar, e estipula que se não estivermos no topo, estamos mal, muito mal mesmo.
Ao fazer isso, por exemplo, dentro de empresas, se define quem irá ter as melhores posições hierárquicas, maiores salários, propostas mais atraentes e, certamente, como resultado, qualidade de vida destacada. Com isso, passamos a nos odiar se não estamos entre os primeiros nessas avaliações e começamos a almejar ser como os vencedores. O que isso provoca para nossa autoestima? É devastador. As pessoas se sentem não apenas incomodadas, mas verdadeiramente fracassadas e arruinadas em muitos casos.
Montaigne propõe que pelo autoconhecimento sejamos capazes de nos conhecer melhor, tanto no que se refere a nossas imperfeições quanto as qualidades que possuímos. Ao fazê-lo, quer que entendamos melhor quem somos e nos aceitemos como somos. Valorizar-se é a palavra de ordem. "Reis e rainhas também defecam", diz o sábio francês, com o intuito de dizer que no final das contas, ricos e famosos também são seres humanos, como nós, com defeitos e virtudes. Ele não rejeita ou refuta a comparação como indicativo de caminhos para o ser humano, o que seria impossível deixar de fazer, mas sugere que aprendamos com os outros sem que, para isso, nos coloquemos no limbo da história, desprezando nossas possibilidades e diminuindo nossas chances reais de triunfarmos a partir daquilo que é nossa maior qualidade, a originalidade.
Quando copiamos os outros cometemos o que Montaigne considera o pior de todos os pecados, o mais mortal de todos, abdicamos de nós mesmos em favor de modelos pré-estabelecidos, abrimos mão de mostrar ao mundo a nossa real identidade... Seja você! Valorize-se! Entenda-se! Triunfe por sua originalidade! Você é único!
Obs. Montaigne nos ainda nos ensina que, para melhor compreender a si mesmo, temos que conhecer melhor os outros, entrar em contato com outras culturas, respeitar a diversidade que existe no mundo (certamente uma de nossas maiores riquezas). Como fazer isso? Viajando tanto física quanto mentalmente, ou seja, colocando a mochila nas costas e partindo para experiências aonde for possível chegar e, ao mesmo tempo, lendo e estudando!
Filosofia para o dia a dia: Montaigne e a Autoestima
LUCIUS ANNAEUS SENECA (4 a.C. - 65 d.C.) - Filósofo da Ética. Teve
importante papel na vida pública, política do Império Romano. Foi conselheiro
de Nero, orador, advogado e primeiro representante do estoicismo romano, escola
filosófica voltada às questões morais. Suas ideias estavam centradas no
desapego aos bens materiais, na busca pela tranquilidade da alma, na aceitação
serena do destino, na harmonia com a natureza e na brevidade da vida humana.
Muito antes de saber qualquer coisa a respeito eu me sentia atraído pela
ideia da filosofia. Eu a via como uma matéria prática, capaz de fazer diferença
no mundo e de nos dizer muito sobre percalços cotidianos como rejeições
amorosas, demissões ou a falta de amigos.
A filosofia traz uma promessa que pode parecer ingênua, mas na verdade é muito
profunda e de mostrar um caminho para aprender a ser feliz.
A vida moderna é cheia de frustrações e a maiorias das pessoas não parece capaz
de reagir filosoficamente a elas, nós perdemos as estribeiras. Portanto a ira
tem sido uma das emoções bastante comum em nossas vidas. Assim, é interessante
descobrir que, na antiguidade ela era vista com um problema maior. Há um
filósofo da antiguidade que se dedicou ao estudo da ira e queria acalmar as
pessoas. Ele nasceu em Córdoba, na Espanha, no ano 1 da Era Cristã, e
chamava-se Sêneca. Sêneca foi o filósofo mais conhecido e popular de sua época.
Ele escreveu mais de 20 livros com conselhos práticos sobre rodos os aspectos
da vida. Ele foi para Roma ainda menino e passou a maior parte da vida
influenciando a política local como membro do senado. Mas nem por isso teve uma
vida livre de frustrações. Ele era um homem melancólico por natureza, que havia
sofrido de tuberculose na juventude e tinha surtos depressivos, quase suicidas.
Ele viveu em uma época muito perigosa. Sua carreira política foi construída
durante uma série de governos de líderes tirânicos e imprevisível. Ele vivia,
literalmente sem saber o dia de amanhã, pisando sobre terreno instável.
No ano 49 d.C., ele teve que assumir contra a vontade o cargo mais ingrato: O
de tutor de um menino de 12 anos, LUCIUS DOMITIUS AHENOBARBUS, o futuro
imperador Nero. Logo ficou claro que Nero era um psicopata, homicida. Sabendo
que corria perigo, Sêneca tentou se afastar da corte por duas vezes, entregou
ao imperador sua carta de demissão. Por duas vezes, ela foi recusada com um
abraço, e o argumento de que Nero preferiria morrer a fazer mal a seu tutor.
Nada do que Sêneca percebia estimulava-o a crer nessas palavras.
Ao conhecermos o palácio subterrâneo de Nero, começamos a entender porque
Sêneca se preocupava tanto com a ira. Nero era um homem com poderes absolutos.
As pessoas eram trazidas para as câmeras eram executadas em massa. Ele atirava
romanos aos leões, decapitava-os, lançava-os aos crocodilos e desmembrava-os
vivos. Virgens eram capturadas nas ruas e trazidas para o palácio para serem
mortas. Gladiadores que não se saiam bem eram lançados aos lobos. Tudo isso
acontecia nessas câmaras subterrâneas.
Vendo resultados tão tremendos da ira, Sêneca ficou desesperado para
abrandá-la. Um imperador romano tomado pela ira não era só uma visão
desagradável, mas um fenômeno potencialmente catastrófico.
Por experiência própria Sêneca considera a ira um problema grave. Ele
chegou a dedicar um livro inteiro, da Ira, a esse tema. “A mais terrível e
furiosa das emoções”, ele escreveu. Mas recusava-se a vê-la como uma explosão
irracional e incontrolável.
Que tipo de coisa deixa você irritado?
Eu fico bastante irritada no trânsito.
Para Sêneca, a ira era um problema filosófico que podia ser tratado pela
argumentação filosófica. A ira surgia de certas ideias racionalizadas sobre o
mundo. E o problema delas era ser otimista demais. Na visão de Sêneca as
pessoas ficam com raiva porque criam muitas expectativas.
Num ataque de ira, sentimo-nos surpresos e injustiçados. O que Sêneca
diria é que, por exemplo, que as confusões e barbeiragens no trânsito não são
injustas, nem surpreendentes, mas um fato previsível da vida. Quem se irrita
com elas tem expectativas erradas em relação ao mundo. Assim, seu primeiro
conselho era que fôssemos mais pessimistas, para ajustar nossa visão de mundo
aos reveses da vida. Quem se irrita com elas tem expectativas erradas em
relação ao mundo. Assim, seu primeiro conselho era que fôssemos mais
pessimistas, para ajustar nossa visão de mundo aos reveses da vida. E ele nos
pede para ter mais uma coisa em mente: se aceitarmos que nada pode ser feito
quanto às nossas frustrações, não vamos nos descontrolar tanto quanto elas
acontecerem.
Sêneca diz um dos motivos para nossa raiva é imaginarmos que as coisas sempre
têm de ser como queremos, que somos capazes de moldar o mundo segundo nossos
desejos, mas não são. Há muitas coisas que temos de aceitar. Nem sempre temos
liberdade para mudá-las. Para tentar nos fazer compreender isso, para criar uma
imagem clara, Sêneca fez uma comparação inusitada: Ele disse que nós somos,
basicamente, como cães amarrados a uma carroça em movimento. A coleira é longa
o bastante para nos dar alguma liberdade, mas não para permitir que cada um vá
para onde quiser. O cão logo se dá conta que para ser feliz, ele precisa,
algumas vezes, se contentar em seguir a carroça. È bem melhor segui-la para
onde você não quer ir do que se debater contra algo que não podemos mudar.
Porque, além de ir para onde não quer, você vai acabar se estrangulando.
Mas levamos uma vantagem sobre os animais: somos dotados de razão. Essa razão
nos dá um triunfo: a capacidade de perceber o que podemos e o que não podemos
mudar. Talvez não possamos alterar certos acontecimentos, mas podemos mudar
nossa atitude com relação a eles. Era essa capacidade, para Sêneca, que
conferia a liberdade que nos distingue como humano.
Mas Sêneca não é útil apenas em nossos momentos de fúria. Sua filosofia nos dá
um meio de ficarmos calmos e controlados diante de qualquer adversidade. Quem
teve a oportunidade de conhecer Pompéia ou assistir algum filme, poderá ter uma
ideia da vida que Sêneca levava. Ele foi um homem rico e podemos cair na
armadilha de imaginar que ele e outros patrícios levavam uma vida fácil e tranquila.
Mas basta ler Sêneca para descobrir que essa imagem está errada. Em meio ao
luxo, a aristocracia romana fervilhava de fúria.
Sêneca fez uma análise interessante da ira, observando o mundo a sua volta, ele
flanava pela alta sociedade de Roma imperial. Muitos de seus amigos tinham
enormes casa de campo, com escravos para preparar a comida, banquetes que
entravam noite adentro. Ele fez uma constatação surpreendente: a riqueza torna
as pessoas mais cheias de raiva, e não mais calmas. “A prosperidade alimenta o
destempero”.
Sêneca conheceu um certo Vedius Pollio, alto funcionário do governo, que certa
vez deu uma festa. Um escravo encarregado de uma bandeja com copos teve o azar
de tropeçar e derrubar a bandeja. Vidius Pollio ficou tão furioso que mandou
atirar o escravo num tanque cheio de lampreias, para que fosse devorado vivo. O
que aconteceu na análise de Sêneca foi que Vidius Pollio vivia num mundo onde
copos não se quebravam.
O filósofo concluiu que o problema dos ricos como Vedius é que eles tinham
expectativas absurdas. O mesmo pode ser dito dos ricos atuais. Basta observar o
check-in da 1ª classe de uma companhia aérea e ver como as pessoas falam mais
alto, do que na fila de classe econômica. Quanto mais rico você for, mais
expectativas tende a ter. Quando elas são frustradas, a fúria emerge. Os ricos
acreditam que o dinheiro vai protegê-los de reveses e frustrações, e essa é a
expectativa mais absurda de todos.
A filosofia de Sêneca não é importante só para os irritados. Ele achava que
todos nós reagimos mal às frustrações e só teríamos a ganhar se reduzíssemos
nossas expectativas. Ele achava que o mais estressante é o que nos pega de
surpresa. Que nos irritamos mais com os problemas que surgem quando menos
esperamos. Se você admitir que as coisas possam dar erradas quando as coisas
acontecerem, você já está preparada. Ele dizia que a melhor forma de combater a
raiva é estar preparado e aconselha-nos a fazer isso.
Costumamos confrontar as pessoas dizendo que “tudo vai ficar bem”. Para Sêneca,
essas palavras de suposto apoio podem ser cruéis, pois deixam as pessoas
desesperadas para situações adversas. Ele recomenda a estratégia oposta: uma reflexão
tranquila, mas diário sobre tudo o que pode dar errado. A ideia é estruturar o
pensamento que às vezes nos ocorrem, refletindo sobre elas toda manhã.
Sêneca não proíbe as pessoas de esperar que as coisas funcionassem bem, ele só
gostaria de vê-la preparada psicologicamente para o contrário. Ele achava que,
muitas vezes superestimamos nossa capacidade de mudar os acontecimentos, de
rever situações frustrantes.
Foi para nos relembrar constantemente de quantas coisas estão fora do nosso
controle que ele evocou a ajuda de uma deusa. O nome dela era Fortuna e estava
representada em muitas moedas romanas. Havia também estátuas suas pela Itália.
Ela apreciava dois objetos: em uma das mãos, uma cornucópia, como símbolo de
seu poder de conceder favores. Nessa cornucópia, havia muitas das boas coisas
da vida. Mas fortuna tinha também um objeto mais sinistro, um leme como símbolo
de seu poder de desviar nossos destinos. Num rompante de crueldade, como lhe
era frequente, bastava um toque no leme para ela destruir nossas vidas, levar
nossos empregos e nos causar imensa dor de cabeça.
Fortuna simboliza as coisas que devemos aceitar, as boas e as ruins. Quando
algo sai errado, não devemos gritar e praguejar, mas lembra que muitas
frustrações são caprichos cruéis de uma deusa cujos atos não podemos mudar.
A maior parte dos habitantes de Pompéia, uma cidadezinha aos pés do Vesúvio,
acreditava ter controle sobre o próprio destino. Mas, talvez, o lembrete mais
duro dos limites de nosso controle sejam as forças da natureza. Ao meio-dia de
13 de agosto de 79 d.C, eles iriam descobrir que Fortuna tinha planos para a
cidade. Em questão de horas, Pompéia foi soterrada por cinzas vulcânicas, uma
demonstração terrível e clara da tese de Sêneca: nunca estamos a salvo da deusa
Fortuna. Mesmo quando tudo parece tranquilo, pode sobrevir o desastre. A melhor
maneira de nos protegermos é estarmos preparados psicologicamente.
Tendemos a achar que o legado mais importante dos filósofos são os livros que
escreveram onde todo o talento e sabedoria estão concentrados. Mas os antigos
agarravam-se à crença mais abrangente de que também devemos buscar inspiração,
nos momentos de necessidade na forma com os filósofos levam suas vidas e como
morriam.
Foi no instante de sua morte que Sêneca se mostrou mais inspirador. A cena foi
reproduzida infinitamente desde então. Em abril de 65 d.C. foi descoberta uma
conspiração contra Nero na qual Sêneca acabou incriminado, embora provavelmente
fosse inocente. Nero enviou um centurião à residência do filósofo, para ordenar
que ele se matasse imediatamente. Quando os amigos e familiares souberam da
sentença, caíram em prantos. Mas Sêneca não chorou. Foi sua atitude diante da
desgraça que ajudou a definir o que ele queria dizer, ao afirmar que devemos
ver as coisas filosoficamente. Calmamente, ele pegou uma faca e cortou os
próprios pulsos. Sêneca morreu da maneira como nos aconselhava a viver.
“Por que chorar por fatos da vida quanto toda ela é motivo de lágrimas?”
Com sorte, nada de tão terrível irá ocorrer conosco, mas coisas ruins podem
acontecer, e a melhor maneira de amenizar os golpes, se eles vierem, é estarmos
preparados.
Ira e frustração são essencialmente, reações irracionais e aos reveses, e a
única estratégia racional é manter-se calmo diante da constatação de que
algumas coisas dão errado. Dessa maneira, estaremos agindo no mais verdadeiro e
melhor sentido do termo, filosoficamente.
Filosofia para o dia a dia: Sêneca e a Raiva
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Filosofia para o dia a dia: Epicuro e a Felicidade
Ao lado de Platão e Aristóteles,
Epicuro foi um dos grandes filósofos da Grécia Antiga. A escola que ele fundou
permaneceu aberta por quase oito séculos. Suas ideias influenciaram muitos
pensadores modernos, principalmente desde o Iluminismo. Entretanto, as críticas
à sua filosofia de vida foram ainda maiores. Muitas delas, a meu ver, injustas,
como as que alegam um caráter libertino e irresponsável de sua filosofia. Não
me considero um epicurista, mas tampouco acho que o Jardim de Epicuro seja o
“jardim das aflições”. Pretendo explicar sucintamente os motivos.
De forma resumida,
a doutrina de Epicuro é uma filosofia do prazer. Achar o caminho de maior
felicidade e tranquilidade, evitando a dor, era a máxima epicurista. No
entanto, não se trata da busca de qualquer prazer, tal como o associado ao
hedonismo. Epicuro não faz uma defesa do carpe diem ou da libertinagem
irresponsável. O prazer em questão não é nunca trivial ou vulgar. Na carta a
Meneceu, Epicuro afirma que “nem todo o prazer é digno de ser desejado”, da
mesma forma que nem toda dor deve ser evitada incondicionalmente. A deturpação
do conceito de prazer usado por Epicuro foi algo que ocorreu durante a sua
vida, e ele teve, portanto, a oportunidade de rebater: “Quando dizemos então,
que o prazer é a finalidade da nossa vida, não queremos referir-nos aos
prazeres dos gozadores dissolutos, para os quais o alvo é o gozo em si. É isso
que crêem os ignorantes ou aqueles que não compreendem a nossa doutrina ou
querem, maldosamente, não entender a sua verdade. Para nós, prazer significa:
não ter dores no âmbito físico e não sentir falta de serenidade no âmbito da
alma”. Em outras palavras, a ataraxia.
O Utilitarismo de
Bentham e Mill irá numa linha muito parecida a de Epicuro. John Stuart Mill
afirma que “desde Epicuro até Bentham, todos os partidários da teoria da
utilidade designaram pelo termo não algo que contrastasse com prazer, mas o
prazer em si mesmo, bem como a ausência de dor; e, em vez de opor o útil ao
agradável ou belo, sempre declararam que o termo designava precisamente estas
coisas, entre outras". O uso popular, entretanto, estaria associado ao
conceito de frivolidade, de “meros prazeres instantâneos”, contrário ao que se
pretendia dizer. Mill explica: "Quando assim atacados, os epicuristas
sempre responderam que não são eles, mas seus acusadores, que representam a
natureza humana sob uma luz degradante, já que a acusação supõe os seres
humanos como incapazes de sentir um prazer distinto do que sentem os
suínos".
Como se vê, a
acusação de que o epicurista busca de maneira desenfreada os prazeres imediatos
do corpo não faz sentido. Tampouco pega no epicurista a imagem de egoísta
insensível fechado para o mundo. A satisfação egoísta a qualquer custo jamais
poderia ser associada à filosofia de Epicuro, que depositava enorme importância
na amizade. Para ele, “a faculdade de granjear amizades é de longe a mais
eminente entre todas aquelas que contribuem para a sabedoria da felicidade”. De
fato, Epicuro demonstrou isso em sua vida, alimentando várias amizades. Por
que, então, sua filosofia despertou tamanha reação negativa?
O doutor Sean Gabb, diretor da Libertarian
Alliance, arrisca uma resposta em seu textoEpicurus: Father of
the Enlightment, onde ele sustenta a tese de que a filosofia epicurista é
precursora do liberalismo clássico. Para Gabb, esta filosofia mexeu com
poderosos interesses na época, já que o terror religioso vinha sendo cada vez
mais utilizado para controlar as massas. A promessa de uma vida eterna e
perfeita após a morte sempre foi um consolo poderoso para muitos, assim como a
ameaça de punição eterna era poderosa arma. Uma filosofia que se dedica
totalmente a esta vida – a única certa – não poderia ficar isenta de violentos ataques.
Epicuro comprou uma briga e tanto ao afirmar coisas do tipo: “É sem valor pedir
aos deuses aquilo que nós mesmos podemos realizar”. Muitas religiões pregam o
sofrimento durante a vida como nobre, como ingresso para uma vida maravilhosa
após a morte. Não é de espantar, portanto, ver os ataques passionais que uma
filosofia defendendo a busca da felicidade mundana recebeu. Mas Epicuro estava
mais preocupado em defender o que considerava útil aos homens nesta vida, do
que dar, “sob o caloroso aplauso da multidão”, o seu “acordo em tolices”.
Sendo o temor pela
punição eterna uma das maiores causas de submissão às autoridades políticas e
religiosas, parecia claro que a filosofia de Epicuro encontraria muitos
inimigos. Afinal, para Epicuro, quando nós existimos, a morte não existe, e
quando chegar a morte, nós não somos mais nada. Ele simplesmente não parecia
muito preocupado com a morte, mas sim com a vida. E quando as pessoas estão
voltadas para a felicidade em vida, torna-se mais difícil serem dominadas e
controladas pelo medo da morte. Claro que surge a questão moral de quais seriam
então os freios para os desejos na vida. Por que não matar ou roubar se isso
parecer útil? Epicuro não dá, aparentemente, uma resposta satisfatória a esta
pergunta. Ele diz apenas que “a vida do insensato é ingrata”, em “constante
agitação”, e que o homem justo está livre desses distúrbios.
Não consta que ele
tenha agido de forma injusta em sua vida, assim como muitos dos seus
seguidores. Por outro lado, vários religiosos praticaram atos bárbaros
justamente em nome da fé. Não creio que o bom comportamento dependa de fé
divina, de forma alguma. Respeitar os outros pode ser, afinal, do próprio
interesse pessoal. A vida é melhor para todos, inclusive nós mesmos, quando há
este tipo de convívio. Será que os crentes que julgam estar somente na fé
divina o freio para atos injustos, iriam sair matando e estuprando se
começassem a duvidar da existência de Deus? Não estariam dando um atestado de
perversão os que pensam assim, dependendo somente do medo de punição divina
para não praticar o mal? No mais, apelar para o argumento de coerção divina é
apelar para a utilidade da religião, não sua verdade. E como
disse Mill, “a verdade de uma opinião faz parte de sua utilidade”. Para ele,
“nenhuma crença contrária à verdade pode ser realmente útil”. Concordo com
Epicuro nisso: não é preciso crer no sobrenatural ou na punição eterna para
evitar fazer o mal. Ser bom com os outros é bom para si próprio. Afinal,
devemos esperar ser tratados pelos outros como temos os tratado, uma lembrança
que data de um século antes de Cristo.
Por que, então, não
me considero um epicurista? Parte da resposta pode ser encontrada naquilo que
Adam Smith, em Teoria dos Sentimentos Morais, disse sobre Epicuro:
"Segundo Epicuro, a virtude também não mereceria ser buscada por si
mesma, nem seria em si um dos objetos fundamentais de apetite natural; seria
desejável apenas graças à sua tendência a evitar dor e proporcionar bem-estar e
prazer. Na opinião dos outros três (Platão, Aristóteles e Zenão), ao contrário,
a virtude seria desejável não apenas como meio de proporcionar os outros
objetivos primários do desejo natural, mas como algo que em si mesmo seria mais
valioso do que todos estes. Pensavam que, sendo o homem nascido para a ação,
sua felicidade deve consistir não apenas no que há de agradável nas suas
paixões passivas, mas sobretudo na conveniência de seus esforços ativos."
O Utilitarismo faz
sentido muitas vezes, já que a maioria busca maximizar a própria felicidade
mesmo. Mas se a utilidade entrar em conflito com a virtude, esta deve
prevalecer. Antes dos resultados, vem o direito natural. Antes de se esquivar
da dor e angústia, vem a busca da verdade. Antes do melhor, vem o justo. A
liberdade individual não é por mim defendida por ser a forma mais eficiente de
maximizar felicidade – ainda que o seja, mas sim por ser a moralmente correta.
Além disso, uma filosofia que coloca o prazer como padrão de moralidade diz que
qualquer coisa que leva ao prazer é desejável. Não faz, portanto, distinção
entre essas coisas. Se para alguém o prazer está em invadir uma propriedade e
para outro está em defender tal propriedade, não há um critério objetivo nesta
filosofia que mostre quem está certo moralmente. O Utilitarismo seria, nesse
aspecto, amoral.
Prefiro, então, a
filosofia de Ayn Rand. O Objetivismo sustenta que o bem deve ser definido por
um padrão racional de valor, que o prazer não é uma primeira causa, mas apenas
uma consequência, que somente o prazer que procede de um julgamento racional de
valor pode ser considerado moral. Dizer que o prazer deve ser o padrão da
moralidade significa dizer que quaisquer valores que você escolhe, consciente
ou inconscientemente, racional ou irracionalmente, são corretos e morais. A vida
será então guiada por sentimentos ao acaso, não pela mente. A filosofia de Ayn
Rand é o oposto disso, pois defende que ninguém pode atingir a verdadeira
felicidade desta maneira arbitrária e randômica. Talvez Epicuro não fosse
discordar disso, no fundo. Afinal, ele acreditava que “no princípio de tudo,
encontra-se a razão, o maior dos nossos bens”, e que “dela resultam por si só
todas as outras virtudes”. Mas o fato é que, tal como a conhecemos, a filosofia
de Epicuro não chegou a formular um sistema completo como o Objetivismo,
explicando, partindo de axiomas, o código moral racional.
Dito isso, não vejo
com aversão a filosofia de Epicuro, diferente de muitos, particularmente os
mais religiosos que chegam a adotar uma “ética” do sofrimento. A Declaração de
Independência Americana é clara ao mencionar o direito de cada um buscar a
própria felicidade. Thomas Jefferson, em uma carta de 1819 para um amigo,
chegou a se declarar um epicurista. Mises, em Human Action, afirma
que a filosofia de Epicuro inaugurou uma emancipação espiritual, moral e
intelectual da humanidade. Todos aqueles que consideram, assim como eu, a
felicidade nesta vida uma importante meta, e condenam as ameaças sobrenaturais
e superstições que escravizam o indivíduo, possuem algo de Epicuro também.
Podemos não abraçar toda a sua filosofia. Mas isso não nos impede de extrair o
que ela tem de correto. Não é, como afirmam alguns, uma defesa da libertinagem
irresponsável. Alguns irresponsáveis libertinos é que podem buscar refúgio em
Epicuro, mas estariam fazendo isso injustamente. Trata-se de colocar a
felicidade nessa vida como um objetivo de extrema importância. E quem não
deseja evitar a dor e ser feliz nesse mundo?
Texto escrito por: Rodrigo Constantino
Filosofia para o dia a dia: Epicuro e a Felicidade
Elaborado pelo escritor e
produtor de televisão inglês Alain de Botton, o documentário, Filosofia: Um
guia para a felicidade, consiste na apresentação e divulgação de ideias dos
grandes filósofos ocidentais para um público leigo. A ideia geral do documentário
é simplesmente mostrar como a filosofia pode servir de base para que as pessoas
passem a questionar certos valores sociais rigidamente estabelecidos e, assim,
serem capazes de suportar melhor as agruras do dia-a-dia das quais todos
estamos sujeitos. Botton então apresenta parte da história de vida, de um
filósofo diferente em cada episódio, ressaltando a ideia que deseja apresentar.
Por vezes, ele também apresenta casos de indivíduos "normais"
(ingleses) cuja vida foi ou pode vir a ser afetada diretamente por tais ideias.
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Filosofia para o dia a dia: Sócrates e autoconfiança
Sócrates foi um dos maiores, se não o maior, filosofo
Grego, ele foi também considerado pelo oráculo de Delfos o homem mais sábio do
mundo, e tragicamente morreu defendendo o que acreditava ser correto.
Sócrates acreditava que nem sempre o consenso é a
opinião correta e que para termos uma opinião forte e precisa devemos expor
nossos argumentos a testes até que não exista como serem refutados, só assim
estaremos com a verdade.
Ele buscou essa verdade e sempre utilizou de
questionamentos para alcançar este objetivo. Sócrates costumava a
interpelar as pessoas comuns e importantes de seu tempo na ágora para discutir
conceitos nem sempre simples, como o que é a justiça e como se alcança a
felicidade.
A verdade a qual Sócrates se refere nem sempre é
possível de ser alcançada e algumas vezes é um contra censo a opinião comum.
Quando contra censual a verdade costuma deixar as pessoas inseguras quanto a
quem tem mesmo a ração, se a maioria ou se ela, as vezes única detentora de tal
verdade.
Sobre isso Sócrates falava que as pessoas devem
ter mais confianças em si e no que pensam para poderem ter pontos de vista
forte e não seguir a multidão. Para fundamentar seu ponto de vista
Sócrates não se alçava e tomava poucos banhos, pois esta era sua crença e não
compartilhava das crenças da maioria quanto a higiene e vestimentas. Então
eu hoje venho com essa parte muito simplória da filosofia de um grande pensador
para dizer a todos, reflitam antes de falar, e submetam suas opiniões ao crivo
de reflexões e questionamentos para descobrir a verdade. Eu mesmo sou um dos
que gosta de falar um monte de opiniões flácidas e sem sustento, mas vou ser o
primeiro a tentar me impor este pensamento socrático para melhorar meus
argumentos.
Outra coisa é confiem mais em vocês mesmo, obvio
que existe um limite entre confiar em si e ser intransigente (segundo algumas
pessoas eu fico no segundo grupo por não querer dar o braço a torcer, mas eu
acho que estou melhorando com o passar do tempo, afinal, idade ensina
tolerância). Abraço a todos, e termino com algumas máximas de Sócrates
para que comecemos nossas reflexões:
"Sábio é aquele que conhece
os limites da própria ignorância."
“É costume de um tolo, quando
erra, queixar-se dos outros. É costume de um sábio queixar-se de si mesmo.”
“Eu só sei que nada sei.”
“Conhece-te a ti mesmo.”
Filosofia para o dia a dia: Sócrates e a autoconfiança
Elaborado pelo escritor e
produtor de televisão inglês Alain de Botton, o documentário, Filosofia: Um
guia para a felicidade, consiste na apresentação e divulgação de ideias dos
grandes filósofos ocidentais para um público leigo. A ideia geral do
documentário é simplesmente mostrar como a filosofia pode servir de base para
que as pessoas passem a questionar certos valores sociais rigidamente
estabelecidos e, assim, serem capazes de suportar melhor as agruras do
dia-a-dia das quais todos estamos sujeitos. Botton então apresenta parte da
história de vida, de um filósofo diferente em cada episódio, ressaltando a
ideia que deseja apresentar. Por vezes, ele também apresenta casos de
indivíduos "normais" (ingleses) cuja vida foi ou pode vir a ser
afetada diretamente por tais ideias.
Na humanidade selvagem, tudo que hoje é simbólico era experimentado como literal. em Marcelo, Marmelo, Martelo, Ruth Rocha retrata esse estágio de consciência na doce infância
Por Carlos São Paulo
Meus filhos, na primeira infância, adoravam me ouvir contando histórias de Ruth Rocha. A mais cotada era Marcelo, marmelo, martelo. Depois, com os meus netos, percebi neles igual entusiasmo. O livro começava com os questionamentos do garoto Marcelo. Ele queria entender o motivo de a chuva cair, o mar não derramar, e o cachorro ter quatro patas. Tal situação me remeteu à "infância" da própria humanidade, quando os homens explicavam o mundo em que habitavam.
O simbólico carrega muito mais coisas do que pode mostrar, enquanto o literal apenas descreve e não o aprofunda. Jung considerava que as transformações no desenvolvimento do indivíduo recapitulam o desenvolvimento da própria humanidade. Então, a criança, ou a infância da humanidade, tenta mostrar uma lógica "poética" aos fenômenos observados, pois é dessa forma que a psiquê funciona.
Antes da ciência que hoje conhecemos, os homens, ao explicarem os fenômenos desconhecidos, criavam histórias que esclareciam aos estudiosos a engrenagem da psiquê. São os mitos - largamente utilizados para entender o homem. Ao interpretarem, por exemplo, que a Terra era o centro do Universo, compensavam a necessidade de encontrar uma importância para a existência do homem na Terra. Os alquimistas, por sua vez, ao procurarem a Pedra Filosofal, observavam os fenômenos da transformação da matéria e projetavam suas fantasias que serviriam à Psicologia Analítica.
Criamos mitos e com eles construímos alegrias e sofrimentos. Em Vidas secas, de Graciliano Ramos, a criança mais nova se identificava com o pai semianalfabeto, mas sonhava ser como ele.
"O SIMBÓLICO CARREGA MAIS DO QUE PODE MOSTRAR, ENQUANTO O LITERAL APENAS DESCREVE E NÃO O APROFUNDA. A INFÂNCIA DA HUMANIDADE TENTA MOSTRAR UMA LÓGICA "POÉTICA", É ASSIM QUE A PSIQUÊ FUNCIONA"
A história de Marcelo vive com o menino tentando encontrar uma lógica para a linguagem. Por que ele se chamava Marcelo e não marmelo ou martelo? A língua se expressa por meio de formas e associações do significante com o significado. Marcelo não entendia a lógica, porque ela se relaciona com a raiz da palavra que ao longo do tempo vai escondendo sua raiz por ir adquirindo camadas de significados diversos.
Por exemplo, Marcelo não entendeu a explicação do pai em relação ao bolo ser redondo, já que sua mãe fazia bolos quadrados. Ora, no latim, a observação de uma bolha de ar que surge na superfície da água, corresponderia ao som...bulla. Por isso, passamos a chamar essas formas esféricas de bolo. E, só porque o papa emitia certos documentos explicativos, do certo e errado, usando selos de lacre de forma redonda, tais informativos foram chamados de bula papal. O mesmo passou a ocorrer com as bulas dos remédios, por extensão a essa situação. Nossa cabeça também é uma bola sobre os ombros, daí ao planejarmos algo dizemos que "bolamos" essa coisa.
Para a palavra cadeira, Marcelo achava mais lógico chamá-la de "sentador". O latim denominava cathedra o assento especial dedicado às autoridades. No entanto, a parte do corpo que se acomoda ao sentarmos também chamamos de cadeira. A cadeira ainda pode ser a definição de um lugar especial que se ocupa, por exemplo, na Academia Brasileira de Letras. A palavra mesa também veio do latim mensa, mas mesada e mensalão vieram de mês. É uma raiz que no indo-europeu chamavase tanto mês como lua. Lua e mês têm sua lógica, já que há uma regularidade no tempo em que fases da lua denunciam a passagem do tempo medido em mês.
Marcelo, marmelo, martelo Autor: Ruth Rocha Editora: SALAMANDRA Ano de Edição: 1999 Nº de Páginas: 64
Essa lógica das palavras se perdeu no tempo, pois estava na raiz que vai ficando cada vez mais escondida à medida que as gerações se sucedem e a linguagem sofre suas transformações. Eu nasci no estado da Bahia e, por isso, sou baiano. Qual a lógica de se escrever Bahia com h e baiano sem h? Baía vem da palavra arredondar, que no latim se diziabaiare. Baía passou a ser o local onde o navio podia aportar. Isso inspirou Américo Vespúcio a batizar o meu estado de Bahia. Os linguistas convencionaram que Bahia continuaria com h, mas tudo que não fosse referência ao estado perdia o h. Ou seja, sabemos que a linguagem nasce das coisas e não as coisas das palavras.
Ao crescermos, perdemos nossa capacidade de fantasiar. No entanto, podemos resgatá-la se soubermos contar com a criança que nos habita. É essa criança a responsável pela fantasia dos poetas. A criança pode dizer que a árvore estava despenteada e o poeta entende. O poeta quando diz que o mar derramou sobre as rochas, é um ser adulto em contato com a sua criança, buscando mexer com as emoções e o uso do belo na linguagem, as metáforas. No entanto o garoto pode fazer a mesma poesia com outra intenção, a de questionar a lógica das coisas. A linguagem do poeta e do infante se aproxima de um ponto anterior ao nascimento da consciência.
A história termina mostrando que a comunicação em níveis diferentes dificulta o entendimento dentro de uma lógica. Quando duas pessoas em estágios desiguais de consciência dialogam, existirão dificuldades para se entenderem. Talvez seja essa a grande questão da humanidade. Há um mundo simbólico que está separado do mundo lógico que só consegue ver as coisas de forma literal. É esse o grande abismo a ser superado: o abismo entre o mundo dos poetas e a linguagem dos concretos. É tentar uma vez ou outra ser Marcelo, marmelo ou martelo.
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Graduado em Filosofia, pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais. Unileste MG.
Pós-graduado em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais - Unleste MG.
Bacharelando em Direito, pela Faculdade de Direito de Ipatinga - FADIPA
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