O Mito de Narciso
Narciso era filho do deus-rio Cephisus
e da ninfa Liriope, e era um jovem de extrema beleza. Porém, à despeito da
cobiça que despertava nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois
não havia encontrado ninguém que julgasse merecedora do seu amor. E foi
justamente este desprezo que devotava às jovens a sua perdição.
Pois havia uma bela ninfa, Eco, amante
dos bosques e dos montes, companheira favorita de Diana em suas caçadas. Mas
Eco tinha um grande defeito: falava demais, e tinha o costume de dar sempre a
última palavra em qualquer conversa da qual participava.
Um dia Hera, desconfiada - com razão - que
seu marido estava divertindo-se com as ninfas, saiu em sua procura. Eco usou
sua conversa para entreter a deusa enquanto suas amigas ninfas se escondiam.
Hera, percebendo a artimanha da ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma só
palavra por sua iniciativa, a não ser responder quando interpelada.
Assim a ninfa passeava por um bosque
quando viu Narciso que perseguia a caça pela montanha. Como era belo o jovem, e
como era forte a paixão que a assaltou! Seguiu-lhe os passos e quis dirigir-lhe
a palavra, falar o quanto ela o queria... Mas não era possível - era preciso
esperar que ele falasse primeiro para então responder-lhe. Distraída pelos seus
pensamentos, não percebeu que o jovem dela se aproximara. Tentou se esconder
rapidamente, mas Narciso ouviu o barulho e caminhou em sua direção:
- Há alguém aqui?
- Aqui! - respondeu Eco.
Narciso olhou em volta e não viu
ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele, e quem era a dona daquela
voz tão bonita.
- Vem - gritou.
- Vem! - respondeu Eco.
- Por que foges de mim?
- Por que foges de mim?
- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!
- Juntar! - a donzela não podia conter
sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.
Narciso, vendo a ninfa que corria em
sua direção, gritou:
- Afasta-te! Prefiro morrer do que te
deixar me possuir!
- Me possuir... - disse Eco.
Foi terrível o que se passou. Narciso
fugiu, e a ninfa, envergonhada, correu para se esconder no recesso dos bosques.
Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das
montanhas. Evitava o contato com os outros seres, e não se alimentava mais. Com
o pesar, seu corpo foi definhando, até que suas carnes desapareceram
completamente. Seus ossos se transformaram em rocha. Nada restou além da sua
voz. Eco, porém, continua a responder a todos que a chamem, e conserva seu
costume de dizer sempre a última palavra.
Não foi em vão o sofrimento da ninfa,
pois do alto, do Olimpo, Nêmesis vira tudo o que se passou. Como punição,
condenou Narciso a um triste fim, que não demorou muito a ocorrer.
Havia, não muito longe dali, uma fonte
clara, de águas como prata. Os pastores não levavam para lá seu rebanho, nem
cabras ou qualquer outro animal a freqüentava. Não era tampouco enfeada por
folhas ou por galhos caídos de árvores. Era linda, cercada de uma relva viçosa,
e abrigada do sol por rochedos que a cercavam. Ali chegou um dia Narciso,
fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede.
Narciso debruçou sobre a fonte para
banhar-se e viu, surpreso, uma bela figura que o olhava de dentro da fonte.
"Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é
belo!", disse, admirando os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os
de Apolo, o rosto oval e o pescoço de marfim do ser. Apaixonou-se pelo aspecto
saudável e pela beleza daquele ser que, de dentro da fonte, retribuía o seu
olhar.
Não podia mais se conter. Baixou o
rosto para beijar o ser, e enfiou os braços na fonte para abraça-lo. Porém, ao
contato de seus braços com a água da fonte, o ser sumiu para voltar depois de
alguns instantes, tão belo quanto antes.
- Porque me desprezas, bela criatura? E
por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as
ninfas me amam, e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também
tu sorris, e responde com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços,
fazes o mesmo para então sumires ao meu contato.
Suas lágrimas caíram na água, turvando
a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:
- Fica, peço-te, fica! Se não posso
tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te.
Assim Narciso ficou por dias a admirar
sua própria imagem na fonte, esquecido de alimento e de água, seu corpo
definhando. As cores e o vigor deixaram seu corpo, e quando ele gritava
"Ai, ai", Eco respondia com as mesmas palavras. Assim o jovem morreu.
As ninfas choraram seu triste destino.
Prepararam uma pira funerária e teriam cremado seu corpo se o tivessem
encontrado. No lugar onde faleceu, entretanto, as ninfas encontraram apenas uma
flor roxa, rodeada de folhas brancas. E, em memória do jovem Narciso, aquela
flor passou a ser conhecida pelo seu nome.
Dizem ainda, que quando a sombra de
Narciso atravessou o rio Estige, em direção ao Hades, ela debruçou-se sobre
suas águas para contemplar sua figura.
Sobre o professor: Uanderson Menezes
Professor de Filosofia na Escola Estadual João XXIII em Ipatinga. Licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais - Unileste MG; Especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais - Unleste MG; Especializando em Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito de Ipatinga - Fadipa
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